terça-feira, junho 26

Assim começa o livro...

Se, num dia de sol, você subir o caminho íngreme que sai da pequena ponte de madeira que por aqui ainda chamam de “Ponte da Hesitação”, não terá de andar muito para avistar o telhado de minha casa entre os topos de duas árvores de gingko. Mesmo que não ocupasse uma posição tão proeminente no morro, a casa se destacaria de todas as outras da vizinhança, de forma que, ao subir o caminho, você poderá se ver perguntando que tipo de homem rico é o dono dela.

Porém eu não sou, nem nunca fui, um homem rico. O ar imponente da casa se justifica talvez se eu informar que ela foi construída por meu predecessor e que ele era ninguém menos que Akira Sugimura. Claro, você pode ser novo na cidade, nesse caso o nome de Akira Sugimura não vai te dizer nada. Mas mencione esse nome para qualquer pessoa que viveu aqui antes da guerra e vai descobrir que, durante trinta e tantos anos, Sugimura esteve inquestionavelmente entre os homens mais respeitados e influentes da cidade.

Se eu lhe disser isso e, quando chegar ao alto do morro, você parar e olhar o belo portão de cedro, a grande área cercada pelo muro do jardim, a cobertura com suas telhas elegantes e a cumeeira entalhada com estilo apontando para a paisagem, você pode muito bem se perguntar como eu pude comprar uma propriedade dessas, sendo, como eu digo, um homem de meios apenas medianos. A verdade é que comprei a casa por uma soma nominal — uma quantia que não era provavelmente nem metade do valor real da propriedade naquela época. E isso foi possível devido a um processo muito curioso — alguns diriam tolo —instigado pela família Sugimura durante a venda.

Isso já é coisa de uns quinze anos. Naquela época, quando minhas condições pareciam melhorar a cada mês, minha mulher começara a me pressionar para encontrar uma casa nova. Sempre previdente, ela argumentara que era importante termos uma casa à altura de nosso status — não por vaidade, mas em função das perspectivas de casamento de nossas filhas. Eu até via sentido naquilo, mas como Setsuko, nossa filha mais velha, ainda tinha apenas catorze ou quinze anos, não pensei nesse assunto com nenhuma urgência. No entanto, durante um ano talvez, sempre que ouvia falar de uma casa adequada à venda, me lembrava de tomar informações. Foi um de meus alunos quem primeiro trouxe a meu conhecimento que, um ano depois da morte de Akira Sugimura, sua casa seria posta à venda. Parecia absurdo que eu viesse a comprar uma casa daquelas e atribuí a sugestão ao respeito exagerado que meus alunos sempre tiveram por mim. Mas mesmo assim fui atrás de informações e obtive uma resposta inesperada.

Uma tarde, recebi a visita de duas senhoras altivas, grisalhas, que eram as filhas de Akira Sugimura. Quando expressei minha surpresa por receber tamanha atenção de uma família tão distinta, a mais velha das irmãs me disse friamente que não tinham vindo por mera cortesia. Que ao longo dos meses anteriores tinham recebido um bom número de pedidos de informações sobre a casa de seu falecido pai, mas a família decidira recusar todos, menos quatro solicitações. Essas quatro solicitações tinham sido selecionadas cuidadosamente pelos membros da família com base exclusivamente em bom caráter e realizações.

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