quarta-feira, junho 27

Assim começa o livro...

Segundo a lenda da família, o avô de Ferguson partiu a pé de sua cidade natal, Minsk, com cem rublos costurados no forro do paletó, viajou para o oeste, rumo a Hamburgo, passando por Varsóvia e Berlim, e depois comprou uma passagem num navio chamado Imperatriz da China, que atravessou o Atlântico debaixo de brutais tempestades de inverno e chegou ao porto de Nova York no primeiro dia do século XX. Enquanto esperava para ser entrevistado por um funcionário do serviço de imigração na ilha Ellis, entabulou conversa com um colega judeu russo. O homem lhe disse: Esqueça o nome Reznikoff. Não vai servir de nada para você aqui. Você precisa de um nome americano para a sua vida nova nos Estados Unidos, alguma coisa com um bom toque americano. Como, em 1900, o inglês ainda era uma língua estranha para Isaac Reznikoff, ele pediu uma sugestão a seu compatriota, mais velho e mais experiente. Diga a eles que você é Rockefeller, disse o homem. Assim, não pode dar errado. Passou uma hora, depois mais uma hora e, quando Reznikoff, de dezenove anos, sentou‑se para ser interrogado pelo funcionário do serviço de imigração, tinha esquecido o nome que o homem havia sugerido. Qual seu nome?, perguntou o funcionário. Depois de dar um tapa de frustração na cabeça, o esgotado imigrante exclamou em iídiche: Ikh hob fargessen! (Eu esqueci!) E foi assim que Isaac Reznikoff começou sua vida nova nos Estados Unidos como Ichabod Ferguson.

Ele passou maus bocados, sobretudo no início, mas mesmo depois, quando já não era mais o início, nada corria do jeito que tinha imaginado em seu país adotivo. É verdade que conseguiu arranjar uma esposa assim que completou vinte e seis anos, e também é verdade que essa esposa, Fanny, cujo sobrenome de solteira era Grossman, lhe deu três filhos vigorosos e saudáveis, mas a vida nos Estados Unidos continuou a ser uma luta para o avô de Ferguson, desde o dia em que desembarcou do navio até a noite de 7 de março de 1923, quando encontrou uma morte prematura e inesperada, aos quarenta e dois anos de idade — morto por um tiro, num assalto, no depósito de artigos de couro em Chicago, onde estava empregado como vigia noturno. Nenhuma foto dele sobreviveu, mas, segundo todos os relatos, era um homem grande, de costas fortes e mãos enormes, sem instrução, sem qualificação, o mais completo exemplo do simplório ignorante. Em sua primeira tarde em Nova York, esbarrou com um vendedor ambulante que apregoava as maçãs mais vermelhas, redondas e perfeitas que ele já tinha visto. Incapaz de resistir, comprou uma e mordeu com sofreguidão. Em vez da doçura que esperava, o gosto era amargo e esquisito. Pior ainda, a maçã era enjoativamente mole e, depois que os dentes atravessaram a pele, o interior da fruta se derramou pela frente de seu casaco, no esguicho de um líquido vermelho claro, pontilhado por uma porção de caroços iguais a bolinhas. Esse foi seu primeiro gosto de Nova York, seu primeiro encontro, para nunca mais esque cer, com um tomate de Jersey.

Portanto, não um Rockefeller, mas um trabalhador braçal de ombros largos, um gigante judeu com um nome absurdo e um par de pés indóceis, que tentou a sorte em Manhattan e no Brooklyn, em Baltimore e em Charleston, em Duluth e em Chicago, que arranjou diversos empregos: estivador, marinheiro num navio-petroleiro dos Grandes Lagos, treinador de animais num circo itinerante, operário de uma linha de montagem numa fábrica de latinhas, motorista de caminhão, cavador de valas, vigia noturno. Apesar de todo seu esforço, nunca recebeu mais do que tostões e mixarias e, assim, as únicas coisas que o pobre Ike Ferguson deixou de herança para a esposa e os três filhos foram as histórias que contava para eles, das aventuras errantes de sua juventude. Ao longo da vida, as histórias não valem menos do que o dinheiro, mas no calor da hora elas têm limitações decisivas.

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