domingo, junho 24

O maluco

O fato é que o médico dramatizou tanto que Odésio saiu, de lá, impressionado. Não tinha dinheiro; foi ao patrão, que era um santo homem, mostrar a receita. O patrão não teve dúvidas:

– Passa no Caixa e faz um vale. E, querendo, fica em casa uns dias. Com a saúde não se brinca.
Darren Thompson

Levou Odésio até a porta do gabinete, repetiu:

– Em primeiro lugar, a saúde.

Do escritório,Odésio rumou, amargurado, para a drogaria. Enquanto era servido, pôs-se a pensar: “Todo mundo tem sífilis e ninguém se trata. Estão me fazendo de palhaço.” Pagou a conta, apanhou o embrulho e saiu. Mas ia resmungando, interiormentre; “Esse negócio de injeção é muito chato.” Sem querer, começou a reexaminar a hipótese de de loucura, com que o doutor ameaçara. Achou, na situação, uma graça triste: “Imagine eu, maluco, rasgando dinheiro.” Então, não tendo para onde ir, pensou numa visita à casa de Abelardo. Àquela hora, a mulher do amigo estaria na cozinha. Odésio coçou a cabeça, temeroso de uma inconveniência. Mas como se sentia, para todos os efeitos, doente, e grave, decidiu-se: “Vou lá, sim.”Tomou um lotação e, no caminho, já achava um ótimo negócio aquela doença que permitiria aquela visita à Laurinha, na ausência do marido. Lembrou-se da última vez que a vira. Suspirou no lotação: “A besta do Abelardo não sabe a mulher que tem!”.
Nelson Rodrigues, "A vida como ela é... "

Nenhum comentário:

Postar um comentário