quarta-feira, junho 6

Assim começa o livro...

O Sueco. No tempo da guerra, quando eu ainda era um estudante da escola primária, esse era um nome mágico nos arredores de Newark, mesmo para os adultos, havia apenas uma geração transferidos do gueto da velha rua Prince, no centro da cidade, e ainda não tão perfeitamente americanizados a ponto de ficarem deslumbrados com a destreza de um atleta da escola secundária. O nome era mágico; bem como o rosto anômalo. Entre os poucos estudantes judeus de boa compleição física em nossa escola pública secundária frequentada predominantemente por judeus, nenhum possuía nada sequer remotamente parecido com a máscara viquingue implacável e a mandíbula enérgica daquele louro de olhos azuis nascido em nossa tribo com o nome de Seymour Irving Levov.

O Sueco brilhava como ponta no futebol americano, meio de campo no basquete e primeira base no beisebol. Só o time de basquete valia alguma coisa — venceu duas vezes o campeonato da cidade, ocasião em que ele foi o cestinha do torneio — mas, contanto que o Sueco brilhasse, a sorte de nossas equipes esportivas não tinha muita importância para um corpo de alunos cujos responsáveis, em sua vasta maioria muito pouco letrados e sobrecarregados pelo trabalho, veneravam acima de tudo o desempenho acadêmico. A agressão física, mesmo camuflada por uniformes de atleta e regras oficiais, e mesmo destituída do intuito de fazer qualquer mal aos judeus, não representava uma fonte tradicional de prazer em nossa comunidade — os diplomas superiores, estes sim. No entanto, por intermédio do Sueco, nosso bairro penetrou em uma fantasia acerca de si mesmo e do mundo, a fantasia dos fãs do esporte em toda parte: quase como os gentios (como imaginavam ser os gentios), nossas famílias conseguiam esquecer o modo como as coisas funcionavam na realidade e transformar uma exibição atlética no repositório de todas as suas esperanças. Principalmente, conseguiam esquecer a guerra.

O fato de os judeus de Weequahic terem elevado Sueco Levov à condição de Apolo local pode ser melhor explicado, creio eu, pela guerra contra os alemães e os japoneses e pelos temores que ela suscitava. Com o indomável Sueco no campo de jogo, a superfície insignificante da vida adquiria uma espécie de sustentação bizarra, ilusória, o feliz abandono à inocência do Sueco, levando em conta que se tratava de pessoas que viviam o tempo todo mortas de medo de nunca mais voltarem a ver os filhos, os irmãos e os maridos. E como isso afetava o Sueco — a glorificação, a santifica-

ção de cada cesta de bandeja que ele fazia, de cada passe que ele saltava e interceptava, de cada bola rasante que rebatia com o taco até a extremidade esquerda do campo de beisebol? Seria isso que o transformava naquele rapaz de rosto circunspecto e duro? Ou a sobriedade do ar maduro seria antes a manifestação exterior de uma árdua luta interior para manter acuado o narcisismo, servido amorosamente e em grandes porções por uma comunidade inteira? As animadoras de torcida na escola secundária tinham um grito especial para o Sueco. Ao contrário dos demais gritos de torcida, dedicados a inspirar o time inteiro ou eletrizar os espectadores, aquele era um tributo rítmico, marcado com batidas dos pés no chão, unicamente para o Sueco, o entusiasmo por sua perfeição irredutível e indômita. A alegria sacudia o ginásio nas partidas de basquete toda vez que ele pegava um rebote ou marcava um ponto, o clamor corria até o nosso lado do Estádio Municipal nas partidas de futebol americano sempre que ele ganhava uma jarda ou interceptava um passe. Em Irvington Park, mesmo nas pouco concorridas partidas locais de beisebol em que não havia nenhum grupo de animadoras de torcida sofregamente ajoelhadas na beirada do campo, ouvia-se vibrar o refrão na voz rarefeita de um punhado de robustos moradores de Weequahic sentados nas arquibancadas de madeira, não só quando o Sueco rebatia uma bola com o taco mas mesmo quando ele executava uma simples jogada rotineira na primeira base, pondo fora de campo um jogador adversário. Era um grito de torcida que consistia em oito sílabas, quatro delas o seu nome, que soava assim: Pam pam pam pam! Pam pam pam... pam! E o ritmo, sobretudo nas partidas de futebol americano, era acelerado a cada repetição, até que, no ápice da adoração frenética, em êxtase, desencadeava-se uma explosão de vagalhões de saias tremulantes e saltos mortais com as mãos apoiadas no chão, enquanto os calções de ginástica cor de laranja das dez vigorosas e pequeninas animadoras de torcida fulguravam como fogos de artifício diante de nossos olhos maravilhados... e não por amor a você ou a mim, mas ao formidável Sueco. “Sueco Levov! Rima com... ‘Love!’... Sueco Levov! Rima com... ‘Love!’... Sueco Levov! Rima com... ‘Love!’”

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