domingo, agosto 9

Entre remédios e venenos literários

Há quatro anos, Ella Berthoud e Susan Elderkin lançaram “Remédios Literários”, um manual de biblioterapia para maleitas de A a Z. A proposta é tratar o paciente, dependendo de suas dores, com “bálsamos de Balzac e torniquetes de Tolstoi, pomadas de Saramago e as purgas de Perec e de Proust”. Um manual de socorros literários para desconfortos de sutileza e confessabilidade variadas, desde dores de cabeça, insônia e depressão em geral, a casos de coração partido, cansaço da cidade, crise de identidade, medo da morte, perda da memória, falta de bom senso.

Aos melancólicos do próprio aniversário, por exemplo, a prescrição das biblioterapeutas é a leitura de “Os filhos da meia-noite” de Salman Rushdie. Às recém-chegadas à menopausa, “O verão antes das trevas” de Doris Lessing. Aos desesperançados ou que estão desesperançando, “Ratos e homens” de John Steinbeck. Aos exageradamente autoconfiantes, à beira da arrogância, o tratamento sugerido, de uso milenar, é “O burro de ouro” de Apuleio. Angústia existencial? Horror de envelhecer? Problemas com o álcool? Entram em ação Herman Hesse, Tom Robbins, Malcolm Lowry. Homofobia? Tome “Maurice” de E. M. Forster. Pensamentos assassinos em fase de congeminação? Experimente “Thérèse Raquin” de Émile Zola.

O manual conta ainda com socorros suplementares, para problemas específicos de leitura. Como, por exemplo, tratar do desinteresse por um livro justamente por ele estar na moda. A recomendação, para esse caso, é dar um gelo no famigerado, enfurná-lo no armário, para só depois, muito depois, e prosaicamente, abri-lo: um exercício profilático de desprezo para devolver ao livro um “toque de humildade”. Há ainda listas bem-humoradas de leitura, para diferentes ocasiões, como “os melhores romances para ler no banheiro” (entre eles, “Diário de um ano mau” de J. M. Coetzee).

Antigas colegas de Literatura Inglesa na Universidade de Cambridge, Ella Berthoud e Susan Elderkin transformaram em trabalho o que, na época da universidade, era um hábito divertido entre elas. Em 2008, tornaram-se biblioterapeutas na School of Life, em Londres, e desde então vêm prescrevendo livros como unguentos. Mas, como diz a sabedoria popular, de remédio a veneno, só o que muda é a dose. Depende de quem a ministra. Depende também, claro, de não tratar vírus com vermífugo ou remédio para malária. Caso contrário, a biblioterapia pode virar biblioludíbrio. Alguém se lembra do “Cabo do medo”, um filme de Scorsese dos idos de 1991? A isca do perseguidor, para atrair a filha adolescente da família perseguida, é um exemplar de “Sexus” de Henry Miller. Ou, fora da ficção, mas ainda fazendo uso dela, o caso recente de um professor, no Rio de Janeiro, demitido por assédio, que aconselhou a aluna assediada a ler “Lolita” de Nabokov. Biblioludíbrios.

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