segunda-feira, agosto 17

Estudo mostra que ler para crianças é eficaz mesmo com pais de baixa escolaridade

Um dos efeitos temidos — mas, infelizmente, mais prováveis — da pandemia é o aumento das desigualdades educacionais. Crianças e jovens em famílias mais pobres, além da dificuldade de acesso a tecnologias mais apropriadas para o ensino remoto, enfrentam outra enorme desvantagem na comparação com os estudantes em famílias mais ricas: seus pais, por terem menor escolaridade, têm menos condições de apoiá-los e ajudarem em seu desenvolvimento cognitivo. Isso obviamente não acontece porque são mais relapsos ou desinteressados na educação dos filhos, mas sim pelos perversos efeitos intergeracionais da pobreza em variáveis como o hábito de leitura, vocabulário, ou qualidade da interação entre pais e filhos.

Harriett M. Bennett

Para atacar desigualdade herdada de berço, uma estratégia fundamental é oferecer aos alunos que mais precisam as melhores oportunidades educacionais, exatamente o oposto do que acontece hoje no Brasil. O conjunto de ações para potencializar o desenvolvimento dessas crianças, no entanto, não deve ficar restrito a políticas no âmbito da escola. É preciso também investir em programas que melhorem a interação entre as famílias e seus filhos desde a primeira infância. Um estudo que acaba de ser publicado na revista cientifica Early Childhood Research Quarterly — de autoria de pesquisadores da Universidade de Nova York (Alan L. Mendelsohn, Luciane Piccolo, Carolyn Gates e Adriana Weisleder) e do Instituto Alfa e Beto (João Batista Araujo Oliveira, Denise Mazzuchelli e Aline Sá Lopez) — traz importantes contribuições para esse debate.

A pesquisa analisou o impacto de uma ação no âmbito do programa Universidade do Bebê, da prefeitura de Boa Vista (RR), que empresta livros a famílias de baixa renda e promove workshops mensais com os pais para incentivá-los e capacitá-los a ler em voz alta para as crianças. A técnica utilizada foi a mais rigorosa em estudos científicos: a separação aleatória das famílias em dois grupos, em que um fez parte do programa e outro, com as mesmas características, não participa de imediato da intervenção, para que os resultados possam ser comparados ao longo do tempo.

Pais e crianças com uma média de idade de três anos foram acompanhados durante o programa e avaliados nove meses depois. No caso das crianças, foram utilizadas medidas para avaliar o desenvolvimento cognitivo, como testes de inteligência, vocabulário e de memória de trabalho (responsável pelo armazenamento temporário de informações verbais ou visuais que são necessárias para a execução de tarefas mais complexas). A principal conclusão do estudo foi que, mesmo entre famílias com baixo nível de alfabetização, os resultados cognitivos foram positivos e levaram a uma melhoria da interação entre pais e filhos.

Outros estudos recentes também ressaltam a importância de olhar para intervenções na primeira infância para apoiar famílias de baixa renda. Um deles — já citado aqui na coluna e de autoria dos pesquisadores Tiago Bartholo, Mariane Koslinski, Marcio da Costa e Thais Barcellos — investigou o que as crianças sabem ao ingressarem na pré-escola na cidade do Rio de Janeiro. Além de constatar que já existe uma desigualdade no ponto de partida da pré-escola, aos quatro anos de idade, os autores identificaram que, independentemente do nível de escolaridade e renda dos pais, há ações que impactam positivamente no desenvolvimento cognitivo das crianças, como a leitura de livros, contação de histórias, e brincadeiras lúdicas entre pais e filhos.

Creches e pré-escolas de qualidade são essenciais para amenizar os efeitos da desigualdade herdada de berço. Sem prejuízo dessa agenda, é preciso também investir em políticas públicas bem desenhadas, focadas nas famílias, e que atuem fora dos muros da escola.

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