terça-feira, novembro 1

O que Shakespeare fazia

Se literatura é o que Shakespeare fazia, arranjemos outro nome para aquilo que fazemos nós.

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Se um seminarista cair nas páginas de uma novela erótica, acabará gastando seu latim no primeiro lupanar.

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Depois que o gato engoliu um passarinho, sua reputação piorou, mas seu miado melhorou muito.

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Fora da estação, o vento faminto sacode a ameixeira: cadê tuas frutas?

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Se o gato não gosta mais do sofá, chame o adeleiro.

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Depois que envelheceu, não se aventura mais em períodos longos. Receia perder-se no meio deles e não sabe se continua ou se é melhor parar. Ousa só frases curtas, de dez ou doze palavras. Reúne-as cautelosamente e fica torcendo para que, se não forem, ao menos se pareçam com haicais.

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Escrevo mal, sempre escrevi. Se você leu Shakespeare, você sabe, você não me deixa mentir.

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Depois de uma hora de velório, se o defunto foi um homem honesto, não haverá mais o que dizer sobre ele e os olhos dos parentes se voltarão esperançosos para aquele amigo contador de piadas.

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De todos os poetas, os parnasianos eram os que melhor sabiam contar até doze.

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Mister Parkinson me perguntou hoje por que ando tão triste. Respondi que me aflijo porque há dias não consigo escrever. Ele sorriu e me fez outra pergunta: “Alguém se queixou?”

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Foram morrendo. Restou somente um que, agonizante, disse: esperem um instante, que eu já morro e também vou.

Raul Drewnick

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