quarta-feira, novembro 29

Nem Shakespeare

Há livros tão desalentadoramente ruins que nem uma epígrafe de Shakespeare consegue salvá-los.


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Se em vez de escrever sonetos eu me esmerasse em dar murros em ponta de faca, chamaria mais a atenção e teria maior público, sem o trabalho de ficar contando sílabas e perseguindo rimas no dicionário.

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Para quem acha que um livro é o objeto ideal para servir de calço para cadeiras trôpegas ou mesas cambaleantes, nada melhor que uma antologia de poemas concretos.

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Na reunião dos gongóricos, marcada para decidir que providências seriam tomadas contra os ataques da crítica literária ao grupo e aos seus princípios estéticos, o líder perguntou aos comandados o que estavam dispostos a fazer. Um deles respondeu, hesitante: vamos reagir. Outro, vacilante, sugeriu: vamos lutar. O líder, então, sentindo que era hora de transmitir confiança e energia, deu um soco na mesa e, no melhor estilo do gongorismo, exclamou: vamos reagirmos, vamos lutarmos.

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Era uma dessas loiras longilíneas, langorosas, que fazem jus às melhores aliterações.

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De repente, o domingo se fez tão esplêndido e promissor que o homem imaginou que só podia ser uma cilada.

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Tão mesquinhos andam os tempos que logo nos será negado até o direito de sofrer.

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Era um ventríloquo que falava até pelos cotovelos.

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Gramaticalmente, salvar-se ou não salvar-se depende da boa vontade de uma partícula apassivadora.

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Os poetas antigos morriam de amor. Os modernos vivem de negá-lo.
Raul Drewnick

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