A vida em nós é como a água no rio. Ela pode aumentar este ano a um nível jamais visto e inundar os planaltos ressecados; pode até ser o ano memorável que afogará todos os nossos ratos almiscarados. Aqui onde moramos nem sempre foi terra seca. Vejo em áreas bem interiores as margens outrora banhadas pelos rios, antes que a ciência começasse a registrar suas enchentes. Todos já ouviram a história, que percorreu a Nova Inglaterra, do besouro forte e bonito que saiu do nó seco de uma velha mesa de madeira de macieira, que havia ficado sessenta anos na cozinha de um agricultor, primeiro em Connecticut e depois em Massachusetts – saído de um ovo que fora depositado na árvore viva muitos anos antes, conforme se viu depois contando as camadas anuais do tronco, e que ficou roendo audivelmente o interior durante várias semanas até conseguir sair, após ter sido incubado talvez pelo calor de uma chaleira. Quem não sente fortalecida sua fé na ressurreição e na imortalidade, ao ouvir isso? Quem sabe qual a bela vida alada, cujo ovo ficou enterrado por muitas eras sob muitas camadas concêntricas de lígneo embotamento na vida ressequida do convívio social, outrora depositado no alburno da árvore viva e verdejante, que aos poucos se converteu na imagem de sua sepultura de madeira totalmente seca – talvez roendo audivelmente o interior, desta vez durante anos, até conseguir sair, para o espanto da família sentada ao redor da mesa festiva –, que pode inesperadamente surgir do móvel mais trivial e comemorado entre o convívio social, para gozar finalmente sua plena vida estival!
Não digo que João ou José venham a entender tudo isso; mas este é o caráter daquele amanhã que o mero decorrer do tempo jamais fará alvorecer. A luz que extingue nossos olhos é escuridão para nós. Só amanhece o dia para o qual estamos despertos. O dia não cessa de amanhecer. O sol é apenas uma estrela da manhã.Henry David Thoreau, "Walden"
Nenhum comentário:
Postar um comentário