sábado, março 8

Os livros

Quão triste seria passar pelos dias e pelas noites do mundo, sem deixar sequer uma palavra, que diga o que somos, o que uma vez fomos. Uma palavra ao menos, para ser lida pelos filhos de nossos sonhos, dúvidas e acertos que configuram nosso caminhar pelos labirínticos corredores da vida. Seria muito triste passar, sem nem sequer tentar abrir a porta dessa casa mágica feita de palavras, que nos convidam a dialogar com nossos silêncios e mistérios. Essa casa que nos espera sempre desde as mais distanciadas estantes. 

Porque os livros são isso, casas de vozes para serem lidas e escutadas. Lugar que propicia o encontro com outras vidas, outros espaços, outras histórias e com personagens rebelando-se no mistério da palavra que os nomeia e os eterniza. 

Cada livro contém, sem lugar a dúvidas, uma luta constante para vencer a brevidade do tempo que nos delimita. Cada livro faz do instante vivido, instante que não retorna, mas que se faz imperecível na palavra impressa, a tornar possível o milagre da transcendência. Somos personagens de um livro que, talvez, jamais venha a ser escrito. Ou personagens do livro que não leremos, esse livro que se extravia entre ocultas prateleiras e entre as milhares de páginas que conservam em suas tintas a voz de uma boa parte da história da humanidade. 

Então, onde haveremos de procurar, se somos personagens em constante configuração e transformação. Personagens imersos naquilo que transcorre com assombrosa rapidez, que mal conseguimos ler nas páginas de nossas vidas, como simples fragmentos e palavras desgastadas, que pouco a pouco silenciam em alguma rua de nossa breve história, breve, mas particular, única e irrepetível na sagrada vida de todo ser humano, que habita este extraordinário e muitas vezes maltratado planeta. Às vezes, ler um livro nos faz cruzar pontes até paisagens somente possíveis no reino da fantasia e do sonho. Paisagens que habitamos e percorremos nas naves da imaginação. Paisagens que nos fazem sentir emoções, que em nossa realidade circundante nos resultariam impossíveis de alcançar. E se adentramos em outras leituras podemos ir a lugares, povos e cidades nas asas mágicas dos contos e romances que nos convidam a realizar inesperadas viagens. 

Ler um livro nos converte inevitavelmente no outro, nos faz caminhar pelos terrenos de outra vida, modo geral, a certa distância da rotina que nos oprime. Nada obstante, se lemos outras páginas, nos encontramos também com histórias cruas e lamentavelmente reais sobre guerras, invasões, fomes e outros infortúnios de que a humanidade padece.
Gabriel Saldivia, "Antología"

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