Depois, seu corpo envelhece; não todo de uma vez, é verdade, primeiro envelhecem os olhos ou as pernas, o estômago, o coração. A gente envelhece assim, pedaço por pedaço. E então, de repente, sua alma envelhece: mesmo sendo o corpo efêmero e mortal, a alma ainda é movida por desejos e recordações, ainda procura a alegria. E quando também desaparece esse desejo de alegria, só restam as recordações e a inutilidade de todas as coisas; nesse estágio, estamos irremediavelmente velhos.
Um dia você acorda e esfrega os olhos e não sabe mais por que acordou. Já sabe exatamente o que o dia apresentará a seus olhos: a primavera ou o inverno, os cenários habituais, as condições atmosféricas, a ordem dos fatos. Nada de surpreendente pode acontecer: não o surpreendem nem sequer os fatos inesperados, insólitos ou horripilantes, porque você conhece todas as probabilidades, já previu tudo e não espera mais nada, nem para o bem nem para o mal... e esta é a verdadeira velhice. E no entanto, alguma coisa ainda vive em seu coração, uma lembrança, uma vaga e nebulosa esperança, há alguém que gostaria de ver, há algo que ainda gostaria de dizer ou saber. Um dia, você tem absoluta certeza, chegará esse momento, e então, de repente, saber e enfrentar a verdade já não lhe parecerá tremendamente importante como imaginara durante os anos de espera. O homem compreende o mundo um pouco de cada vez, e depois morre. Descobre as causas ocultas dos fenômenos e das ações humanas. A linguagem simbólica do inconsciente... pois os homens recorrem a uma linguagem simbólica para comunicar seus pensamentos, você nunca percebeu? Quando falam das coisas essenciais parece que usam uma língua estrangeira, que falam como os chineses, e é preciso traduzir essa língua para trazê-la ao plano da realidade. Os homens não sabem nada sobre si mesmos. Falam sempre de seus desejos e camuflam obstinadamente seus pensamentos mais secretos. Se você aprender a reconhecer as mentiras dos homens, notará que dizem sempre coisas diferentes do que pensam e querem realmente. E então a vida se torna quase divertida. Depois, um dia você consegue entender a verdade: isso quer dizer que a velhice e a morte chegaram. Mas nessas alturas já não sente dor.
Sándor Márai, "As brasas"
Sándor Márai, "As brasas"
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