The bee is not afraid of me,
I know the butterfly,
The pretty people in the Woods
Receive me cordially.
Emily Dickinson
No jardim a borboleta propõe as flores. Faz borboletices entre as florzinhas. É pura felicidade quando descobre a rosa charmosa. Ternura em hesitante tremor é o que os dois velhos sentados no banco do jardim estão vendo agora através de finas saliências da borboleta que acaba de pousar na rosa. Carícia de borboleta, seda de rosa, perfeito encontro dos que namoram na manhã luminosa. Depois que asas sublimes acabam de amar, a borboleta voa e vai levar ao vento a delícia de ter beijado a rosa.
O velho de cabelos grisalhos diz para o outro que a larva da borboleta não tece casulo, passando o período ninfal sob a forma de crisálida. Acrescenta com a voz mansa que a borboleta voa pela campina e o ar ilumina. Dá aulas de balé como a única bailarina do mundo que não usa sapatilha. Milagre na estação temperada de sol, oscila no voo pela colina, vive suavemente o sonho de viajar na natureza apenas um dia. Bailar, amar, é essa a sua vida no ar. Transluz na plantinha a sustentável leveza de ser, treme asas quando recebe da brisa ligeira convite para exercer a vida como a fantasia de um dia. E, sob ondulações que resvalam nas lâminas do ar, sabe que não existe sonho mais belo do que viver em tácito entendimento com a luz. Na poeira dourada da flor, a borboleta reverbera a fina escrita da beleza.
Muitas borboletas cobriam a terra fresca nos barrancos do rio, dando ideia de um manto feito com asas brancas, azuis e amarelas. Os meninos que tiveram comigo a felicidade de viver a aventura da infância achavam bonito ver as borboletas voando em bando, acima do rio. Nuvens formavam uma sinfonia de asas acima do espelho das águas. Era algo especial nas tardes de verão. Da balaustrada no jardim merecia ser contemplado. As borboletas oscilavam para o norte ou sul, voltavam, subiam, desciam, pousavam no barranco das margens do rio e da ilha.
Os velhos comparecem ao jardim para conversar sobre a idade das águas. Muitas já passaram por debaixo da ponte, bem sabem eles do inevitável dessas águas que correm para o mar. Embora o homem passe tocando suave o realejo, o menino anuncie a manchete do dia, tentando vender o jornal aos velhos, o que importa a eles nesse instante é indagar sobre as sombras na tarde, sentindo que os olhos não chegam a compreender aquilo que entardece sobre manchas. Penso que ficam contentes quando aparece uma borboleta, com seus devaneios de asas que purificam os olhos cansados da vida. A borboleta fica distraindo os velhos no voo translúcido ou pousada na flor, sem querer de suas almas nada em troca.
A pureza que uma borboleta põe na manhã tem a ver com a alegria dos sons que os passarinhos soltam dos bicos inquietos, voando ou saltitando nos galhos das árvores em floração. Asas sedosas enternecem enquanto sons de ouro alegram num só momento pleno dessa música que a natureza dá de graça, fazendo que os velhos esqueçam que o tempo engole a vida, virando a página de tudo em rigor de atitude que comanda.
O velho de cabelos grisalhos, numa voz indicativa de admiração, ante o milagre que faz a borboleta ser vida, observa para o outro que somente Deus pode criar tamanha ternura numa existência tão curta. Embora bem mais longa, ele sabe que a vida dos seres humanos tem também um fim. Ele mesmo rodopiará quando chegar o momento e cairá em algum lugar desconhecido. Como os outros, ele faz parte dessa regra soberba, criada pela natureza sem exceção. “Quando chegar minha vez e eu cair, haverá o anjo da guarda com asas de borboleta para me guiar depois da curva na estrada”, pulsa no velho de cabelos grisalhos esse pensamento, que apareceu de súbito na mente, irrompendo do escuro como um facho salvador.
Enquanto isso não acontecer, a borboleta no jardim virá propor as flores para dessa maneira adornar a conversa acerca dos anos idos e vividos. Perfumará as vozes que lembrarão o ritmo da cidade cada vez mais crescente, gente comprando e vendendo no comércio como num formigueiro. Tranquilizará os gestos dos velhos banhando-se na manhã de sol, recebendo a brisa na pele enrugada, em carícia de lenço. Um deles, que gosta de usar camisa axadrezada, boné azul-marinho, provavelmente estará informando, a certa altura da conversa vagarosa, sobre a coleção de carros novos do fazendeiro abastado. Como ele gosta de mostrá-la aos amigos no churrasco de fim-de-semana, que oferece na fazenda.
Acontece que, pensando, pensando, quando de novo brilhar na manhã do jardim as carícias que a borboleta vem fazer na rosa, extraindo na manhã de luz um beijo sutilíssimo feito de nácar e seda, belo, belo, belo, o velho de cabelos grisalhos não terá mais dúvida que, entre todos os homens abastados da cidade, somente ele é o ganhador.
Irá viajar pelo jardim, de canto a canto, com asas de borboleta. Pousará em cada flor para fazer carícia na manhã radiante de sol e cantos de passarinhos fazendo sua festa, voando e saltitando nos galhos da árvore salpicada de flores, que caem no chão formando uma camada quando o vento passa forte e refresca com as suas lufadas a atmosfera.

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