quarta-feira, setembro 6

Assim começa o livro...

Resultado de imagem para a cronica dos dos Wapshot
St. Botolphs era um lugar velho, uma velha cidade à beira-rio. Havia sido porto no auge das flotilhas de Massachusetts e agora lhe restara uma fábrica de talheres e algumas poucas pequenas indústrias. Os nativos não achavam que tinha diminuído muito em tamanho ou importância, mas a longa lista dos mortos na Guerra Civil, parafusada no canhão sobre o gramado, era um lembrete de como a localidade fora populosa na década de 1860. St. Botolphs nunca mais arregimentaria tantos soldados. O gramado ficava à sombra de uns poucos olmos imensos e era cercado por prédios comerciais que davam no quadrado da praça. O edifício Cartwright, que dominava a face oeste da praça, tinha na sobreloja uma fileira de janelas ogivais, delicadas e reprovativas como as janelas de uma igreja. Detrás dessas janelas ficavam os escritórios da Eastern Star, o dr. Bulstrode, dentista, a companhia telefônica e o corretor de seguros. Os cheiros dessas salas — o cheiro de preparados dentais, cera
líquida, escarradeiras e gás de carvão — mesclavam-se no corredor do térreo como um aroma do passado. Em meio à chuva forte do outono, num mundo repleto de transformações, o gramado de St. Botolphs dava a impressão de uma permanência insólita. Na manhã do Dia da Independência, quando começava a concentração do desfile, o local parecia próspero e festivo.

Os dois garotos Wapshot — Moses e Coverly — estavam sentados num gramado na Water Street vendo a chegada dos carros alegóricos. O desfile misturava livremente temas espirituais e comerciais, de modo que junto ao Espírito de 76 vinha uma velha carroça de entregas com uma placa que dizia peixe fresco é no sr. hiram. As rodas da carroça, as rodas de todos os veículos do desfile, tinham sido decoradas com papel crepom vermelho, branco e azul e havia bandeirolas por toda parte. A fachada do edifício Cartwright estava engalanada de bandeirolas.Pendiam em dobras sobre a fachada do banco e brotavam de todos os caminhões e carroças.

Os garotos Wapshot estavam de pé desde as quatro; sonolentos e sentados debaixo do sol quente, pareciam sobreviventes do feriado. Moses queimara a mão com os fogos. Coverly perdera as sobrancelhas em outra explosão. Moravam numa propriedade a pouco mais de três quilômetros da cidade e tinham subido o rio numa canoa, de madrugada, quando o ar da noite fazia parecer morna a água que respingava do remo na mão deles. Haviam forçado uma janela na Igreja de Cristo como sempre faziam e tocaram o sino, acordando mil passarinhos, muitos moradores e todos os cachorros dentro dos limites da cidade, inclusive o cão de caça dos Pluzinski a quilômetros de distância  na Hill Street. “Devem ser os garotos Wapshot.” Moses ouvira uma voz vinda da janela escura da casa paroquial. “Vai dormir.” Coverly tinha dezesseis ou dezessete anos na época — claro como o irmão mas pescoçudo, com um certo jeito de padre e o péssimo costume de estalar os dedos. Mente alerta e sentimental, ele se preocupava com a saúde do cavalo da carroça do sr. Hiram e olhava com pesar para os internos do Repouso do Marujo — quinze ou vinte homens muito idosos que pareciam absurdamente exauridos sentados em bancos num caminhão. Moses fazia faculdade e atingira o ápice da maturidade física no ano anterior, quando lhe surgira o dom da autoadmiração criteriosa e tranquila. Agora, às dez horas, os garotos estavam sentados na grama esperando a mãe assumir seu lugar no carro do Clube da Mulher.

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