quarta-feira, setembro 6

'Não sei se tenho forças para escrever outro romance'

Autor de cerca de trinta volumes entre poesia, ensaios, roteiros de cinema e livros de memórias, Paul Auster é mais conhecido por sua ficção. Seu décimo-sétimo romance, publicado em inglês no final de janeiro passado, aparece agora em espanhol depois de sete anos de silêncio na ficção – no Brasil o livro ainda não tem data de lançamento, mas já está traduzido para Portugal pela editora ASA. Com um título enigmático, 4321 (Seix Barral, traduzido por Benito Gómez Ibáñez) é uma proposta narrativa radicalmente diferente das anteriores. A conversa acontece em uma aconchegante sala de estar de sua casa no Brooklyn, onde vive com sua esposa, a escritora Siri Hustvedt.

“Quando terminei Sunset Park estava mentalmente exausto e decidi deixar passar um tempo antes de escrever outro romance novamente. Eu me dedique a dois livros autobiográficos: Diário de Inverno e Relatório do Interior. Foi uma forma, especialmente com o segundo, de voltar ao território apagado da infância. Era incrível ver como as memórias vinham à tona, não estava consciente de quanto tinha esquecido. Quando terminei esses livros comecei a acariciar a ideia de escrever um romance sobre as primeiras fases da vida de um indivíduo, desde o nascimento até a entrada no mundo dos adultos”.

A escrita exige uma entrega sem fissuras, abrir-se a toda dor e alegria. Fazer isso direito requer coragem moral

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4321 é um romance insólito dentro do cânone austeriano. Com 960 páginas é, de longe, seu livro mais extenso. O estilo também mudou. A prosa minimalista dá lugar a uma sintaxe arborescente, com frases longas e sinuosas. A base entre filosófica e noir dá lugar a uma narrativa costumbrista com uma ressalva importante. Em vez de uma peripécia argumentativa única recebemos quatro variantes possíveis da história do protagonista. “É a novela mais realista que já escrevi”, admite o autor. “Tudo é direto e imediato, sem truques ou ilusões. A única audácia é a estrutura. Ocorreu-me de repente, um dia quando estava lendo o jornal no meu escritório: em lugar da viagem de uma pessoa desde o nascimento até a idade adulta, contaria quatro caminhos distintos com variações sobre um fundo comum”.

A infância do protagonista de 4321 (ou de seus quatro avatares) tem muito em comum com a de Paul Auster. Archie Ferguson nasceu em Newark, Nova Jersey, em 1947, como seu autor, apenas um mês depois que ele, em uma família de descendentes de imigrantes judeus da Europa Central. “A América dos anos cinquenta foi uma época feliz para mim. Minha grande paixão sempre foi o esporte, mas em paralelo desenvolvi um interesse desmedido pela leitura, algo até certo ponto inexplicável, porque na minha casa ninguém lia”.

– Quais foram os primeiros passos de Paul Auster na literatura? Que leituras foram decisivas na formação de sua sensibilidade?

– Comecei a escrever com nove anos, poemas sem nenhum valor, obviamente, mas que indicam algo importante: a poesia sempre foi uma presença fundamental na minha vida. Escrevi meus primeiros contos quando tinha 10 anos de idade. Aos 12 entreguei um muito longo ao professor e ele pediu que eu lesse em voz alta na frente de toda a classe.

Com 13 anos, leu tudo de Camus e grande parte da obra de Gide, além dos grandes romancistas russos. Duas leituras realizadas aos 15 anos causaram grande impacto nele, Cândido, de Voltaire, e especialmente Crime e Castigo, de Dostoiévski. “Aquele livro me deixou transtornado. Nunca tinha lido nada parecido; quando terminei decidi que se alguém tinha sido capaz de criar algo assim, eu também queria tentar”.

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