sexta-feira, setembro 21

O amor e o livro

E vou contar-lhes agora a história deste livro, um dos mais controvertidos daqueles que escrevi. Foi durante muito tempo um segredo, durante muito tempo não ostentou o meu nome na capa, como se o renegasse ou o próprio livro não soubesse quem era o pai. Tal como os filhos naturais, filhos do amor natural, "Los versos del capitán" eram, também, um "libro natural". 

Pablo e Matilde Urrutia
Os poemas que contém foram escritos aqui e ali, ao longo do meu desterro na Europa. Foram publicados anonimamente em Nápoles, em 1952. O amor por Matilde, a nostalgia do Chile, as paixões cívicas, recheiam as páginas desse livro, que teve muitas edições sem trazer o nome do autor.

Para a 1ª edição, o pintor Paolo Ricci conseguiu um papel admirável e antigos tipos de imprensa «bodonianos», bem como gravuras extraídas dos vasos de Pompeia. Com fraternal fervor, Paolo elaborou também a lista dos assinantes. Em breve apareceu o belo volume, com tiragem limitada a cinquenta exemplares. Festejamos largamente o acontecimento, com mesa florida, "frutti di mare", vinho transparente como água, filho único das vinhas de Capri. E com a alegria dos amigos que amaram o nosso amor.

Alguns críticos suspicazes atribuíram a motivos políticos a publicação anônima do livro. "O partido opôs-se, o partido não o aprova", disseram. Mas não era verdade. Felizmente, o meu partido não se opõe a nenhuma expressão da beleza.

A única verdade é que não quis, durante muito tempo, que aqueles poemas ferissem Delia, de quem estava a separar-me. Delia del Carril, passageira suavíssima, fio de aço e mel que me atou as mãos nos anos sonoros, foi para mim durante dezoito anos uma companheira exemplar. O livro, de paixão brusca e ardente, atingi-la-ia como uma pedra atirada à sua terna compleição. Foram estas, e não outras, as razões profundas, pessoais e respeitáveis do meu anonimato.

O livro tornou-se depois, ainda sem nome e apelido, num homem, homem natural e valoroso. Abriu caminho na vida e eu tive, por fim, de o reconhecer. Andam agora pelos caminhos, quer dizer, pelas livrarias e as bibliotecas, os "versos do capitão" assinados pelo capitão genuíno.

Pablo Neruda, "Confesso que Vivi"

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