terça-feira, outubro 23

Bonito é o mundo

Malene Laugesen
Chove depois de quatro meses sem cair uma gota. O vento tinha começado a rodar para noroeste ontem ao princípio da noite. Esta manhã, nuvens baixas, cinzentas, avançavam das bandas de Femés. Para leste, o céu ainda estava meio descoberto, mas o azul já tinha um tom aguado, sinal de chuva para breve. A meio do dia o vento cresceu, as nuvens desceram mais, começaram a descair pelas encostas dos montes, quase roçando o chão, e em pouco tempo taparam todo o horizonte daquele lado. Fuerteventura sumiu-se no mar. A primeira chuva limitou-se a umas esparsas e finas gotas, menos do que um chuvisco, uma poeira de água, mas quinze minutos depois já caía em fios contínuos, depois em cordas grossas que o vento vinha empurrando na nossa direção. Víamos avançar a chuva em cortinas sucessivas, passava diante de nós como se não tivesse intenção de deter-se, mas o chão ressequido respirava sofregamente a água. O mais puro de todos os odores, o da terra molhada, embriagou-nos durante um instante. "Que bonito é o mundo", disse eu. Pilar, em silêncio, apoiou a cabeça no meu ombro. Agora são oito horas da noite, continua a chover. A água já deve ter chegado às raízes mais fundas.
José Saramago, "Cadernos de Lanzarote III"

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