sexta-feira, novembro 23

Mãe e filho

Nada era pior do que saber que a mãe não voltaria mais a andar. Ficava prostrada na cama, a doença arrancando-lhe o sorriso do rosto na pele envelhecida. O momento de alívio era quando conseguia reconciliar o sono. Na rotina do medicamento, a agulha furava a veia do pulso, por onde o soro era levado para reforçar o sangue enfraquecido no sistema de defesa do corpo. O irmão trazia para junto da cama o suporte de aço com quatro pés e rodízios, o soro no tubo pendurado no gancho, descendo lentamente pela mangueira, gota a gota. Seguia lentamente para penetrar no corpo da mãe. O tempo enfadonho repetia-se no corpo abatido, lambia os minutos demorados no quarto.

A moça que cuidava da mãe mudava seu corpo com cuidado para o outro lado. Limpava as feridas com algodão embebido na água oxigenada. Tentava atenuar as dores nas costas por ter o corpo permanecido tanto tempo na mesma posição. A mãe acordava gemendo, as costas queimando, os olhos umedecidos.

Tentava consolá-la, não perdesse a fé em Deus, todos nós estávamos esperançosos de que um dia ela voltasse a andar com as suas pernas incansáveis, os passos seguros, dando vida ao corpo por entre os cômodos do apartamento. Os dias voltariam ao ritmo normal, sua voz esbanjando afeto quando se dirigia a um dos filhos, de suas mãos, até certo ponto divinas, chegariam até à mesa as comidas deliciosas, doces e bolos com confeito, como ela gostava de fazer.

Como não lembrar os ensinamentos que na infância a mãe tanto havia dado?

“Menino, já para dentro, Que vem o vento ventoso, Levado, levando cisco! Menino, já para dentro! Boa romaria faz quem em sua casa está em paz”. E essas adivinhas: “O que é, o que é, o ano todo no deserto o mais quente é? Responda certo, menino esperto”. Como esquecer essa de pura carícia: Da noite o beijo. A melhor sombra de dia. Quem é?

A casa era pequena, mas em tudo os dias tinham suas mãos zelosas. Colocava nos vasos aquelas rosas, como sonho na manhã perfumando, irradiavam pelos ares ternura. Davam vida à máquina de costura suas pernas ativas. Os bordados, beleza sempre tecida por mãos finas, eram admirados por quem visse. Como o mundo de Deus era grandão de bondade com as suas recomendações e conselhos. Dizia que primeiro a obrigação, depois, filho, é que vem a diversão.

Nada era pior do que saber que a mãe não voltaria mais a andar. O tempo usurpava sem dó a beleza da vida, embora não houvesse revolta enquanto durava a agonia. O amor por ela dobrava porque como filho eu sabia disso.

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