sexta-feira, novembro 16

A modernidade de Conrad Gresner há 500 anos

Neste ano se completam 500 anos de nascimento do médico e naturalista suíço Conrad Gesner (1516-1565), autor e organizador de cerca de 70 obras, entre as quais duas consideradas fundadoras do conhecimento moderno.

Historiae Animalium, publicada em quatro volumes e 4.500 páginas ilustradas a cores, entre 1551 e 1558, é considerada a primeira enciclopédia moderna de zoologia (um quinto volume póstumo foi publicado em 1587). Folheie aqui parte da obra na U.S. National Library of Medicine.

Gesner manteve o unicórnio
 e outras 11 criaturas lendárias, 
em seu 'Historiae animalium'
Konrad Gesner também é conhecido como o “pai da bibliografia” por sua Bibliotheca universalis, sive catalogus omnium scriptorum locupletissimus, in tribus linguis, Latin, Graeca, & Hebraica: extantium & non extantium veterum & recentiorum..., de 1545, um catálogo bibliográfico, em latim, grego e hebraico, com cerca de 1.800 autores, descritos e comentados. É considerada a primeira obra bibliográfica publicada após a invenção da imprensa. Com comentários sobre autores e livros, revela a (nova) concepção de organizar, selecionar e comentar o nascente universo dos livros impressos.

Além de participar do movimento de invenção das ideias modernas, com o Renascimento e a dessacralização do mundo, que passou a ser concebido e observado sem os filtros da religião, Gesner esteve também na linha de frente do ideário que passou a integrar em um mesmo sistema as novas ideias sobre conhecimento, a pesquisa sobre as formas de sua organização em livros, técnicas de ilustração atraentes e preocupação com o leitor e a circulação do livro.

Assim, pesquisa, redação, ilustração, edição, impressão, circulação, todas estas atividades do novo mundo do livro impresso recriaram a lógica do conhecimento em todas as suas esferas: produção, circulação e consumo.

A transmissão de conhecimentos através de ilustrações – e a nada óbvia ideia de que a ilustração informava – foi uma mudança significativa na lógica do conhecimento, que se beneficiou da cultura e das técnicas artísticas renascentistas. A ilustração impressa, super apurada no caso de Gesner, deu novo sentido à experiência da pesquisa e difusão da imagem. Isto ocorreu, não por acaso, no século dos “descobrimentos” e da colonização, as viagens e as expedições criando também – junto à dominação – o impulso para o conhecimento.

Historiae animalium, um livro de história natural, é uma classificação universal dos animais, cada um em uma página, com gravuras impressas feitas pelo autor e colaboradores e uma série de informações padronizadas sobre a vida dos animais, incluindo a origem do nome e provérbios sobre eles.

Mas como, no século 16, ter acesso a informações e à observação direta de animais em todo o mundo? Só esta pergunta já dá a dimensão do desafio de escrever e editar uma enciclopédia mesmo de uma área específica do conhecimento, a zoologia.

Além disso, ainda próximo ao imaginário medieval, para o qual criaturas lendárias e fantásticas habitavam o mundo do conhecimento, como distinguir o que era “ciência” do que era “lenda”, como monstros e sereias, que viviam numa vasta zona entre o conhecido e o desconhecido?

É também aqui que Gesner introduziu soluções modernas: ele escreve e desenha (com assistentes) a partir de sua própria observação e, quando isto não é possível, cotejando fontes impressas variadas (da Bíblia aos bestiários medievais, de manuscritos a mapas ilustrados) e às vezes mantendo, por exemplo, ilustrações anteriores mesmo sabendo que elas pouco correspondem à “realidade”. É assim que Gesner manteve 12 criaturas lendárias, entre elas o unicórnio.

Nascido em Zurique, Suíça, Gesner estudou nas universidades de Brouges, Estrasburgo, Paris e Basiléia, tornou-se médico e professor de grego em Lausanne e de física em Zurique, onde exerceu a medicina. No início da Era moderna, o ambiente do protestantismo local estimulava o desenvolvimento dos estudos das ciências e outras áreas.

Ele foi contemporâneo de Leonardo da Vinci e seus desenhos, do primeiro livro inteiramente ilustrado de Anatomia, Commentaria super anatomia Mundini, de 1522, de Jacopo Berengario da Carpi (1460-1530), e de Humani Corporis Fabrica, de Andreas Vesalius, de 1543, com ilustrações de Jan Stephen van Calcar.

Segundo um texto disponível no site da Universidade de Zurique, onde ele foi professor e que está realizando uma exposição, “Conrad Gesner era um polímata estimulando a transformação da Europa do tempo medieval para o moderno. Enquanto seus contemporâneos se restringiam a criticar os antigos, ele criou novos conhecimentos usando seus próprios métodos. (...) Muito antes de internet e da fotografia, Gesner criou uma enciclopédia ilustrada compreendendo mais de mil animais. Sua Historiae animalium logo foi amplamente lido devido à invenção de técnicas de impressão modernas. Por gerações, o livro foi a base da ciência animal no longo caminho à moderna zoologia”.

Gesner publicou também, como projeto de uma enciclopédia de Botânica, Enchiridion historiae plantarum e Catalogus plantarum em quatro idiomas e, entre muitos outros, Mithridates de differentis linguis, uma compilação de informação sobre 130 línguas conhecidas.

Tudo isto no século 16.
Roney Cytrynowicz

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