domingo, fevereiro 17

Queria morrer no mar

Kathleen Denis
Tinha uns sentimentos estranhos, mãe e pai aborrecidos. Não queria morrer embarcado no seco. Moço bonito, corpulento, olhos verdes, pele cor de espuma branca. Disputado pelas moças da aldeia. Não ligava. Dizia baixinho, quem é do mar não se separa dele. Completamente verde naquelas águas, o que mais queria. Quem ama essas águas verdes nunca se queixa da vida, morre nas ondas doces do mar, sua voz prosseguia.

Pressentimento? Intuição? Pretensão alimentada às escondidas? Ideia transmitida a ele desde cedo. Desejo feito de ondas verdes no íntimo, sempre. Chegava cantante aos seus ouvidos, trazido, ninguém duvide, pelas vozes encantadas do mar.

Não se desligava de seu amor forte nascido com o balanço das ondas. Ninguém entendia a esquisitice, mangavam dele, o abestado.

Um dia, tudo teria o seu fim natural, levado no seio das ondas, no rosto o soprar do vento marinho, molhados os cabelos encaracolados. Esperassem o final, não demoraria. Acreditariam então que não andava brincando com o que mais queria.

Diante da cena de seu sumiço, ficariam rendidos, subjugados à verdade de seu relacionamento com o mar. Saberiam que ele, o moço de pele tostada pelo sol de verão, olhos translúcidos de verde, língua lambendo o salitre nas comissuras dos lábios sanguíneos, outra coisa desse mundo não queria, a não ser morrer no mar.

O pai irritado. A mãe chorava, rezava o terço, suplicava. Nossa Senhora do Perpétuo Socorro tirasse da cabeça do filho aqueles sentimentos. Vivia dizendo que quando chegasse o dia, ninguém tentasse procurar seu corpo por entre as ondas, não achariam em qualquer lugar. A mãe aflita, o pai de olhos arregalados, de tanto escutar ele repetir aquele desejo insistente, que escorria, vinha, escorria.

O pai proibiu que ele saísse no saveiro barra afora. Inseguro para conduzir a embarcação. Não sabia manejar firme o leme ante os arrecifes. Se topasse com o rodamundo, vento que encapelava o mar, erguendo ondas altas, adeus, meu saveiro Vencedor com o seu tripulante sonhador.

Uma tarde, de vento alegre, empurrou o saveiro para cortar as ondas que se esbatiam em seu peito moreno. Subiu na embarcação. Foi na direção das ondas brilhando no vasto verde. Ouviu aquela voz cheia de encanto no canto melodioso do vento. “É doce morrer no mar, nas ondas verdes do mar”.

Não se ouviu falar mais dele. Nem encontraram seu corpo. Nem tampouco algum escombro do saveiro. Nada. Era doce morrer no mar. Nas ondas verdes do mar. Reinventara-se para sempre, como havia prometido a si mesmo.
Cyro de Mattos

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