sexta-feira, novembro 20

A quase moça Edelzuíta

Kim Younggon
Edelzuíta sabia contar histórias para o gosto de cada menino. História de encantamento, com gente, bicho, religiosa, de exemplo e assombração. Sabia contar cada uma melhor do que a outra. Algumas histórias que contava causavam alegria, fazendo todo mundo sorrir. Era quase uma moça, cabelos finos, rosto pálido, tinha os traços de cabocla. Trabalhava no sobrado amarelo do funcionário do banco. Varria os cômodos, limpava os móveis, lavava e enxugava a louça. Levava Tânia, a filha da patroa, ao colégio todos os dias. A gente ficava esperando que ela acabasse de lavar a louça e viesse logo para contar histórias no passeio, em noite de luar.

A primeira história que escutei ela contar foi a da caipora, que era uma mulher com apenas uma banda. Protegia as matas e os bichos. Se encontrasse o caçador, castigava, fazendo que ele não achasse o caminho de volta. Uma vez um caçador ouviu uma voz que lhe disse para não caçar mais nas matas. O caçador não ligou e foi bem do dele caçar na mata. Encontrou um jacu e atirou nele sem perder tempo. O pássaro voou e veio com as garras ferir o caçador, que caiu no chão. Deu o segundo tiro no jacu, que voou mais rápido dessa vez e com as garras afiadas furou os olhos do caçador, que chegou em casa cambaleando e ensanguentado. O caçador então escutou a voz dizer: “Eu não disse pra você não ir caçar na mata! Com a caipora não se brinca!” Edelzuíta falou que, quando o caçador se perde na mata por causa da caipora, a única maneira dele achar o caminho de volta é deixar fumo e cachaça pra ela no pé da árvore.

Depois eu escutei ela contar a história do saci, o negrinho de uma perna só, que usava uma carapuça vermelha. Saía à noite para espantar os cavalos e os burros. Montava nos animais e entrançava as crinas. No outro dia, o vaqueiro encontrava os cavalos e os burros espalhados lá longe pelas capoeiras e pastos.

A noite ficava ora alegre, ora suave, quanto mais ela contava uma história. Uma noite, aconteceu ela contar a história da menina dos brincos de ouro.

“Era uma vez uma mãe que deu uns brincos de ouro à filha mais nova. A menina costumava tirar os brincos e colocá-los em cima de uma pedra quando ia à lagoa buscar água e tomar banho. Um dia ela foi à lagoa, tomou banho, encheu a lata e esqueceu os brincos. Com medo de ser castigada pela mãe, voltou à lagoa para buscar os brincos. Chegando lá, encontrou um velho muito feio, que a agarrou, botou nas costas e a levou consigo. O velho botou a menina dentro do surrão, que era um saco grande. Coseu o surrão e disse à menina que ia sair com ela de porta em porta para ganhar a vida. Quando ele ordenasse, ela cantasse dentro do surrão, senão ele batia com o bordão. Em toda porta que chegava, o velho botava o surrão no chão e dizia: “Canta, canta meu surrão, senão te meto este bordão”. E o surrão cantava com sua voz triste: “Neste surrão me meteram, neste surrão hei de morrer, por causa de uns brincos de ouro, que na fonte fui esquecer”.

“Todo mundo ficava admirado quando ouvia o surrão cantar e dava dinheiro ao velho. Aí um dia o velho chegou à casa da mãe da menina que reconheceu logo a voz da filha. Logo ela convidou o velho para comer e beber e, como já era tarde, pediu que ele dormisse ali em sua casa. De noite, como ele tinha bebido muito, ferrou no sono. E roncou até de manhã. Aí a mãe e as outras filhas abriram o surrão e tiraram a menina que estava muito fraquinha, quase para morrer. Em lugar da menina, a mãe e as filhas encheram o surrão com excrementos. No dia seguinte, o velho pegou o surrão, botou nas costas e partiu cedo. Parou adiante, bateu na porta de uma casa. Perguntou ao dono se não queria ouvir um surrão cantar. Botou o surrão no chão e disse: “Canta, canta meu surrão, senão te meto este bordão”. Nada do surrão cantar. Não gostando, o velho repetiu a ordem. Nada. Sem se conter, o velho meteu o cacete no surrão que se arrebentou e mostrou o que estava dentro dele. O velho percebeu a peça que tinham pregado nele, ficou com tanta raiva que ali mesmo caiu morto no chão.”

A gente não sabia o que era melhor quando Edelzuíta contava uma história. Se o prazer que a história causava em cada trecho que ela contava ou a mansidão de sua voz enchendo os nossos corações de puro encantamento. Cada um de nós escutava atento e estava sempre querendo mais.

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