terça-feira, setembro 4

Assim começa o livro...

Pouquíssimo se sabe, embora muito se tenha escrito, sobre a verdadeira natureza dos djins, criaturas feitas de fogo sem fumaça. Discute-se acaloradamente se são bons ou maus, diabólicos ou benignos. Quanto a seus atributos, há um consenso geral: são caprichosos, inconstantes, maldosos, capazes de se mover em alta velocidade, alterar suas dimensões e sua forma e conceder muitos desejos de homens e mulheres mortais, se assim desejarem ou se a tanto forem obrigados mediante coerção; e sabe-se também que têm uma percepção de tempo absolutamente diversa daquela dos seres humanos. Não devem ser confundidos com os anjos, embora algumas histórias antigas declarem de maneira incorreta que o Diabo em pessoa, o anjo decaído Lúcifer, o filho da manhã, foi o maior dos djins. Durante muito tempo, tampouco houve acordo em relação a suas moradas. Histórias antigas caluniosas afirmavam que os djins viviam entre nós aqui na terra, o chamado “mundo inferior”, em construções caindo aos pedaços e em muitos locais insalubres — lixões, cemitérios, fossas sépticas, esgotos e, sempre que possível, esterqueiras. De acordo com essas versões maledicentes, faríamos bem nos banhando de cima a baixo depois de qualquer contato com um djim. São malcheirosos e transmitem doenças. No entanto, os mais eminentes comentaristas vêm sustentando há muito tempo o que hoje sabemos ser verdade: que os djins habitam seu próprio mundo, separado do nosso por um véu, e que esse mundo superior, às vezes chamado Peristão ou Mundo Encantado, é muito extenso, ainda que sua natureza nos seja oculta.

Dizer que os djins não são humanos pode parecer uma obviedade, mas o homem tem ao menos alguns atributos em comum com seus congêneres fantásticos. No que diz respeito à religião, por exemplo, entre os djins há seguidores de todos os credos existentes na terra, e existem djins descrentes, para os quais a ideia de deuses ou anjos é tão estranha quanto os próprios djins são estranhos aos homens. E conquanto muitos djins sejam amorais, pelo menos alguns desses seres portentosos conhecem a diferença entre o bem e o mal, entre a senda direita e a esquerda.

Alguns djins podem voar, enquanto outros rastejam pelo chão como cobras ou correm de um lado para outro, ladrando e arreganhando as presas como canzarrões. No mar, e às vezes também no céu, assumem o aspecto externo de dragões. Alguns djins mais subalternos são incapazes, quando em terra firme, de manter sua forma por longos períodos. Essas criaturas amorfas às vezes se introduzem no corpo de seres humanos, através do nariz, das orelhas ou dos olhos, ocupando-lhes os corpos por algum tempo e descartando-os ao se cansarem deles. Lamentavelmente, as pessoas ocupadas por djins não sobrevivem.

As djínias ou djiniri, djins do sexo feminino, são ainda mais misteriosas, ainda mais sutis e difíceis de entender, pois são mulheres-sombras feitas de fumaça sem fogo. Existem djiniri selvagens e djiniri do amor, porém também pode ser que essas duas espécies distintas de djiniri na realidade sejam a mesma — que um espírito selvagem possa ser apaziguado pelo amor ou que uma criatura amorosa seja levada por abusos a uma selvageria que ultrapassa a compreensão dos mortais.

Esta é a história de uma djínia, uma ilustre princesa dos djins, dita Princesa dos Relâmpagos em virtude de seu domínio sobre os raios, que amou um mortal há muito tempo, no século xii, segundo nosso calendário, e de seus muitos descendentes; e como de seu retorno ao mundo, depois de uma longa ausência, quando se apaixonou de novo, ao menos por um momento, para logo ir à guerra. É também a história de muitos outros djins, masculinos e femininos, voadores e rastejantes, bondosos, ruins e desinteressados pela moral; e do tempo de crise, o tempo fora dos eixos, que chamamos de época das estranhezas, que durou dois anos, oito meses e vinte e oito noites — ou seja, mil noites e mais uma. E é verdade, vivemos outros mil anos desde aqueles dias, mas aquela época nos transformou para sempre. Mas, se mudamos para melhor ou para pior, cabe a nosso futuro decidir.

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