quinta-feira, dezembro 15

Casas abandonadas

As casas nos campos foram abandonadas, e os campos, consequentemente, também foram abandonados. Somente na garagem dos tratores, cujas chapas onduladas brilhavam qual prata polida, havia vida; e esta vida era alimentada com metal, gasolina e óleo, e os discos dos arados brilhavam ao sol. Os tratores tinham luzes brilhantes, pois que para um trator não existe noite ou dia, e os seus discos de arar revolviam a terra na escuridão e luziam à claridade do dia. E quando um cavalo deixa de trabalhar e se recolhe à cocheira ainda há vida nele, há respiração e calor, e suas patas pisam a palha caída, suas mandíbulas trituram o feno e as orelhas e os olhos continuam a se mover. Um calor vital reina na cocheira, o calor e o cheiro da vida. Mas quando para o motor de um trator, tudo para e tudo se torna morto feito o metal de que o trator é feito. O calor abandona-o como abandona o cadáver. E então as chapas onduladas são fechadas e o motorista do trator vai para a cidade de onde veio, talvez a uma distância de trinta quilômetros, e não precisa regressar por semanas ou meses, pois que o trator está morto. E isto assim é simples e cômodo. Tão simples que a satisfação que o trabalho proporciona desaparece, tão eficiente que o deslumbramento também desaparece dos campos, e com ele também some-se a profunda compreensão e ligação do homem com a terra, bem como sua ligação a ela. E no motorista do trator cresce, vai aumentando o desprezo, que só domina um estranho que não tem amor, não sente ligação à terra. Pois que a terra não é só nitrato, e também não é só fosfato; e nem o tamanho da fibra de algodão. O homem não é apenas carvão, nem sal, nem água, nem cálcio. Ele é tudo isto, e também é muito mais que o simples resultado de sua análise. O homem, que é mais que a sua composição química, caminhando na terra, desviando o arado de uma pedra, abaixando a rabiça de seu arado para poupar um rebento, calcando os joelhos na terra para comer sua singela refeição — esse homem, que é mais que os elementos que o compõem, sabe também que a terra é mais que o simples resultado de sua análise química. Mas o homem da máquina, fazendo rodar um trator morto através das terras que ele não ama e nem conhece, entende somente de química; desdenha a terra e desdenha a si próprio. Quando as portas de chapa ondulada são fechadas, ele vai para casa, e sua casa nada tem a ver com a terra.

As portas das casas vazias pendem abertas; vêm e vão ao sabor do vento. Bandos de meninos vêm das cidades para lhes quebrar as vidraças das janelas e procurar tesouros ocultos nas ruínas. Aqui está uma faca de lâmina partida. É uma boa coisa. E... olhe, está cheirando a rato morto aqui. Vejam o que o Whitey escreveu na parede. A mesma coisa ele escreveu no banheiro da escola e o professor fez ele limpar tudo.

Na noite que se seguiu à partida daquela gente, os gatos que estiveram caçando nos campos regressaram e ficaram miando às portas. E como ninguém atendesse, os gatos entraram nas casas vazias e percorreram miando os quartos vazios. Depois, voltaram aos campos e desde então transformaram-se em gatos selvagens e caçavam quatis e ratazanas e dormiam de dia nas cavidades do solo. Quando a noite chegava, os morcegos, que se haviam ocultado nos vãos das paredes com medo da luz do dia, batiam suas asas longas nos quartos vazios e algum tempo mais tarde tornavam a ocultar-se nos cantos escuros e ali ficavam durante o dia todo, asas fechadas, pendendo de cabeça para baixo entre o vigamento, e o cheiro de sua urina enchia as casas desabitadas.

Os ratos entravam e acumulavam provisões nos cantos, nas caixas, nas gavetas e nas cozinhas. E as doninhas entravam e caçavam os ratos, corujas pardas esvoaçavam gritando e tão depressa entravam como saíam.

Veio então um forte aguaceiro. O joio brotou diante dos degraus das portas, onde jamais brotara, e a grama crescia entre as varandas e as portas. As casas estavam abandonadas, e casas abandonadas ruem rapidamente. Rachas formavam-se pelos revestimentos de madeira, a partir de buracos de pregos enferrujados. Grossas camadas de poeira assentavam nos pavimentos e a sua lisura era apenas perturbada pelas pegadas dos ratos, doninhas e gatos.
Certa noite, o vento arrancou uma telha e lançou-a no chão. O próximo golpe de vento penetrou na abertura deixada pela telha, e tirou mais três, e depois mais doze. O sol do meio-dia brilhou e lançou uma mancha dourada no pavimento através do grande buraco do teto. Os gatos selvagens regressavam à noite dos campos, mas não mais miavam nos degraus. Moviam-se qual sombras de nuvens ao luar, e se esgueiravam para os quartos. E nas noites de ventania as portas batiam com estrondo nos umbrais, e cortinados rotos flutuavam agitados de encontro às vidraças partidas.
John Steinbeck, "As vinhas da ira"

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