segunda-feira, fevereiro 27

O chalé da praça Quinze

Thierry Haentjens
O chalé fazia parte da gente. Me lembro do Bilu, com o seu perfil perpendicular de cegonho sábio, o longo bico mergulhado — não no gargalo do gomil da fábula, não propriamente no canecão de chope, que era de fato o que estava acontecendo —, mas no poço artesiano de si mesmo.

Me lembro do Reynaldo, redondo, pacato, amável, tão amável, pacato e redondo que parecia um desses personagens de romance policial que ninguém desconfia que seja o autor do último crime da mala.

Me lembro do Cavalcanti, com a sua cara silenciosa e receptiva de mata-borrão.
Me lembro de mim, silencioso. Sim, a determinada hora éramos todos silenciosos... essa hora em que não é preciso dizer nada, nem mesmo o verso inesquecível de Valéry: “Oh mon bon compagnon de silence!”

Este silêncio era apenas quebrado quando chegava o Athos, o Athos centrífugo e pirotécnico. Mas isto não perturbava o nosso silêncio, nem o próprio silêncio do Athos... Pois havia um profundo e misterioso rio de silêncio que corria subterraneamente a todas as nossas palavras.

Era o rio da poesia?

O rio da harmoniosa confusão das almas?

Agora é apenas o rio do tempo que passou.

Mário Quintana, "Caderno H"

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