sábado, abril 22

Abismo azul

Claire Mesnil 
Chovera toda noite. O peso da água sobre nosso telhado fazia com que uma poeira úmida baixasse sobre minha rede. Assim adormeci sob o troar do aguaceiro, como se viajasse num mar tempestuoso.

O dia, porém, amanheceu límpido. Tomei o café e saí descalço caminhando pela rua de barro, onde ainda se viam restos da chuva da noite.

Ao chegar ao Campo de Ourique, onde o chão era de areia firme, deparei-me com uma grande poça d’água transparente. Quis entrar nela mas, ao ensaiar o passo, detive-me em pânico: tinha diante de mim um abismo tão fundo quanto o céu azul sem nuvens que a água refletia.

Logo me refiz do susto e entrei na poça. Meus pés levantaram o barro do fundo que turvou a água e apagou a imagem vertiginosa daquele céu de verão.

Ferreira Gullar

Nenhum comentário:

Postar um comentário