sábado, abril 22

Lápide

A primeira vez que vi meu nome escrito numa lápide, tomei um susto. Como teria morrido sem nada sentir ou perceber? De qual sintoma teria me distraído, de qual dor sarado, que breu escapara dos meus olhos?

Na segunda vez que vi meu nome escrito numa lápide, morrer já não surpreendeu tanto – falecer perdera o encanto inaugural. Então tratei de olhar a expressão de todos à minha volta. Estavam tristes, alguém chorava de mansinho e isso, por mais lamentável que seja, serviu-me de consolo.


Quando da terceira vez, e diante do mesmo quadro fúnebre, tratei de prestar mais atenção às mensagens gravadas com circunstância nas coroas de flores. Considerei os textos por demais protocolares e, se buscasse na memória, seriam os mesmos que eu próprio encomendara para alguém no passado.

A quarta vez que vi meu nome escrito numa lápide serviu para julgar a última morada. Notei que houve empenho ao buscar uma foto em que eu estivesse bonito e jovem. Também os dizeres eram laudatórios, ainda que eu tenha certa dúvida se escolheria as tais palavras.

Na quinta, experiente que estava em morrer à toa, deixei muitas recomendações: a foto deveria ser em preto e branco – combina com o entorno e esmorece com mais beleza. Também escolhi o epitáfio, numa combinação de prosa e poesia, saudade e esperança. Estava cada vez mais composto.

Deste ponto, e por muitas mortes seguidas, fui-me tornando paulatinamente um tanto mais relaxado. Pouco me comovi com o choro alheio, as coroas de flores diminuíram de tamanho e capricho, nem me perturbou o granito já estar lascado. Morria de tédio.

O descaso alcançou o ápice numa vala comum, destinada a indigentes. Morrer-me perdia a importância, como desimportante se tornara minha existência. E assim seria dali em diante e para todo sempre se não houvesse você e, por você, o apego à vida.
Rubem Penz

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