sexta-feira, abril 28

Das crenças

Numa de nossas ocasionais conversas fiadas, ontem de noite disse-me o porteiro: “rato depois de velho vira morcego”. Olhei-o atentamente. Era um velho porteiro. Não estava brincando. Devia ser teimoso como todos os velhos. Seria pedante da minha parte tentar convencê-lo de que a sua História Natural não o era muito... Deixá-lo! Afinal, por que os ratos velhos não haveriam de virar morcegos, da mesmíssima forma que as velhas solteironas viram postes de fim de linha? Da mesma forma que os meus leitores desatentos viram fumaça inconsistente e os leitores incrédulos não viram nada... (E daí, você viu ou não viu?!) Pois é uma grande coisa escutar sem contradizer.

Me lembro que, quando menino, nada retruquei quando uma velha cozinheira preta me assegurou que seria muito, muito rica no Céu... Seria loira, também? Já não me lembro.

E, em criaturas de outro estágio cultural, também existem crenças de que não me seria lícito duvidar. Imaginem se, por acaso, com os meus argumentos, eu conseguisse destruí-las! Que teria para lhes dar em troca?

Nunca se deve tirar o brinquedo de uma criança…

Mario Quintana, "Caderno H"

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