Estou desempacotando minha biblioteca. Sim, estou. Os livros, portanto, ainda não estão nas estantes; o suave tédio da ordem ainda não os envolve. Tampouco posso passar ao longo de suas fileiras para, na presença de ouvintes amigos, revista-los. Nada disso vocês têm que temer. Ao contrário, devo pedir-lhes que se transfiram comigo para a desordem de caixotes abertos à força, para o ar cheio de pó de madeira, para o chão coberto de papéis rasgados, por entre as pilhas de volumes trazidos de novo à luz do dia após uma escuridão de dois anos justamente, a fim de, desde o início, compartilhar comigo um pouco da disposição de espírito – certamente não elegíaca , mas, antes, tensa – que estes livros despertam no autêntico colecionar. Pois quem lhes fala é um deles, e, no fundo está falando de si. (...)
Tenho a intenção de dar uma idéia sobre o relacionamento de um colecionador com os seus pertences, uma idéia sobre a arte de colecionar mais do que sobre a coleção em si. É inteiramente arbitrário que eu faço isso baseando-me na observação das diversas maneiras de adquirir livros. Este processo ou qualquer outro é apenas um dique contra a maré de água viva de recordações que chega rolando na direção de todo colecionador ocupado com o que é seu. De fato, toda paixão confina com um caos, mas a de colecionar com o das lembranças. (...)
Walter Benjamin (1892-1940)
Nenhum comentário:
Postar um comentário