sábado, junho 8

O pombo enigmático

María Hesse
Na necessidade do cio (outono de abril) pombo e pomba marcaram um encontro de amor a voar no azul. Era de manhã.

– Às quatro azul em ponto casarei contigo no mais alto beiral.

– Candelária?

– Do lado Norte.

– Tá.

Pois às quatro azul em ponto a pomba pontualíssima pousava no beiral. O pombo não.

A pombinha que era branca arrulhava humilhada e ofendida e contemplava acima do campanário todas as possibilidades da rosa dos ventos. Na paisagem do céu voavam só velozes andorinhas garotas e as andorinhas mais velhas se enfileiravam nas cornijas como gente fina lá dentro nos dias solenes de missa de sétimo dia.

Quatro e dez. Quatro e um quarto. Uma pomba sozinha, à mercê, talvez, de um lendário gavião. Sol e sombra. Um quarto de hora muito custa a passar para uma pombinha que aguarda o pombo no beiral para casar. Brisa. Fêmea humilhada. Ah, arrulhou de repente a pomba, ao distinguir indignada o pombo que chegava caminhando pelo beiral mais alto, do outro lado, lá onde um pouco além gritavam as esganadas gaivotas do mar do mercado. Irônica:

– Perdeste a noção do tempo ou do templo?

– Por Deus, perdão, pomba minha. Tardo mas ardo. Olha a tarde!

– Que tarde?

– Olha a tarde! Que azul! Que abril azul!

– Mas e eu?! Sozinha e branca!

– A tarde tão bonita, pombinha, que era um crime voar, vir voando.

– E eu?! E eu?!

– A tarde tão bonita, meu amor, que eu vim andando.
Paulo Mendes Campos

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