terça-feira, setembro 17

Assim começa o livro ...

Áustria, janeiro de 1945

Fritz Kleinmann chacoalhava com o trem, tremendo convulsivamente ao vento em temperatura abaixo de zero, que rugia entre as paredes do vagão de carga sem cobertura. Seu pai cochilava, exausto, encolhido a seu lado. Em torno viam-se silhuetas indistintas, o luar destacando as listras claras do uniforme e a ossatura do rosto deles. Para Fritz, chegara o momento de tentar fugir; em
breve, seria tarde demais.

Oito dias tinham se passado desde a partida de Auschwitz. Haviam caminhado os primeiros sessenta quilômetros, a ss conduzindo milhares de prisioneiros para o oeste pela neve, fugindo do avanço do Exército Vermelho. Tiros esporádicos eram ouvidos na rabeira da coluna, quando os que não conseguiam acompanhar a marcha eram executados. Ninguém olhava para trás.

Embarcaram nos trens com destino a outros campos no interior do Reich. Fritz e seu pai permaneciam juntos, como sempre haviam feito. Seu destino era Mauthausen, na Áustria, onde a ss se incumbia de extrair até a última gota de suor dos prisioneiros antes de exterminá-los. Cento e quarenta homens espremidos em cada vagão. No começo, precisaram ficar de pé, mas com o
passar dos dias o frio matou alguns e pouco a pouco conseguiram sentar. Os cadáveres ficavam empilhados em um canto e suas roupas eram tiradas para aquecer os vivos.

Podiam muito bem estar às portas da morte, mas aqueles prisioneiros eram os sortudos, os trabalhadores úteis — a maioria de seus irmãos, cônjuges, pais e filhos haviam sido assassinados ou realizavam marchas forçadas, morrendo como moscas.

Quando o pesadelo começou, sete anos antes, Fritz era só um menino. Sua passagem à vida adulta se deu nos campos nazistas — aprendendo, amadurecendo, resistindo às pressões para renunciar à esperança. Antevendo a chegada daquele dia, havia se preparado. Sob o uniforme do campo, ele e seu pai vestiam roupas civis, que Fritz conseguira com amigos na resistência de Auschwitz.

O trem fizera uma parada em Viena, cidade que outrora fora seu lar, depois rumara para o oeste e agora se via a apenas quinze quilômetros de seu destino.
Estavam de volta à terra natal, e quando conseguissem escapar poderiam se passar por trabalhadores locais.

Fritz viera postergando o momento, preocupado com o pai. Aos 53 anos, Gustav estava exausto — era um milagre ter sobrevivido até então. Na hora que mais necessitava, faltavam-lhe forças para tentar a fuga. Estava exaurido. Mas não podia negar ao filho a chance de sobreviver. Após tantos anos com um ajudando ao outro, a dor da separação seria lancinante, mas Gustav insistiu que o filho deveria escapar. Fritz implorou que fosse junto, mas de nada adiantou. “Deus proteja você”, disse o pai. “Não posso ir, estou muito fraco.”

Se Fritz não tentasse logo, seria tarde demais. Ele ficou de pé e tirou o odiado uniforme. Então abraçou o pai, deu-lhe um beijo e, com sua ajuda, escalou a parede escorregadia do vagão.

O vento cortante de trinta graus negativos o golpeou com força. Fritz perscrutou ansiosamente na direção dos vagões de frenagem adjacentes, com os guardas armados da ss em suas cabines. A lua minguante, que apenas dois dias antes estava cheia, brilhava com força no céu, lançando um clarão espectral por toda a paisagem nevada, contra a qual qualquer forma em movimento seria nitidamente visível. O trem ia na velocidade máxima. Reunindo coragem e torcendo pelo melhor, Fritz mergulhou na noite, sob o rugido do ar gelado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário