segunda-feira, setembro 16

Memórias póstumas na cabeceira e na cabeça

No último fim de semana, voltei à Bienal do Livro do Rio.

Foi interessante esse movimento. Voltar como autor ao lugar onde comecei minha carreira como leitor. Minha família estava lá, como também estava naquelas tardes de descoberta do mundo dos livros. Eu tinha acabado de voltar de viagem, um monte de coisas acontecendo, não tinha dimensão de como podia ser estar ali naquele dia.

Portinari
Além de mim, a mesa era composta por Conceição Evaristo, Eliane Alves Cruz, Ryane Leão e Fabricio Carpinejar, com a mediação da Ana Paula Lisboa, colunista do Globo Nos juntamos ali pra falar de nossos livros de cabeceira. Do ano passado pra cá, participei de muitas conversas, e por mais que seja sempre um momento importante, poder trocar com leitores e outros autores, chega uma hora em que o próximo trabalho quer atenção, exige seu tempo e sua energia, e ficar falando do trabalho anterior pode gerar algum conflito nessa nova relação. Vivo esse momento. Feliz pelo trabalho anterior ainda gerar interesse em tantos lugares por aí, mas com vontade de mergulhar de uma vez por todas nas histórias que ainda tenho pra contar.

A ideia de falar sobre livro de cabeceira me animou. Tinha levado na última viagem uma reunião de crônicas do Rubem Braga que dormia e acordava lendo. Quando fiquei sabendo o tema da conversa, parecia que tava decidido. Quando cheguei em casa, um dia antes do evento, tudo mudou.

No meio da correspondência, me esperava uma nova edição de “Memórias póstumas de Brás Cubas”, da editora Antofágica. Fazia um tempo que esperava por esse livro.

Sabia que teria ilustrações do Portinari, e que, na foto do autor, traria Machado de Assis negro.

Mesmo sabendo tudo isso, quando abri o livro o impacto foi grande. Primeiro pela imagem do Machado. Apesar do projeto Machado de Assis Real ter ganhado muita força nos últimos tempos, e eu já tivesse visto essa imagem de Machado não embranquecido, vê-la finalmente em seu próprio livro foi algo marcante. Depois, vinha pensando que as ilustrações do Portinari seriam uma coleção de imagens que pudessem dialogar com o texto. Quando abri o livro, descobri que o artista havia feito todas exclusivamente pra ilustrar o romance.

Fiquei enlouquecido. Levei o livro pra cama onde passamos o dia juntos. Lia trechos, lia as imagens, lembrava das outras leituras, outras edições que haviam passado por mim. O que trazia uma série de outras histórias além daquelas memórias póstumas. Lembrava das casas onde li aquelas páginas, das pessoas que estavam ao redor, do jeito que olhava pro mundo.

Dormi e acordei com o livro. Lembrei de Maria Bethânia falando que música é perfume. Sempre achei linda essa associação, perfeita. Mas olhando pra minha nova edição de “Brás Cubas”, pensei também em como gosto do fato de o livro ser uma coisa física. Com tanta subjetividade, atravessado por tantas épocas e tantos mundos, mas ainda assim, objeto. Disponível ao toque. E a maneira única como cada um toca e é tocado por esses objetos é um dos mistérios mais deliciosos que tive a sorte de experimentar.

Foi bonito ir à Bienal falar de livros. Apesar de tudo o que aconteceu em termos de repressão, censura e ignorância, ver aquele auditório lotado de jovens, professores, famílias, é algo pra alimentar a esperança.

Nenhum comentário:

Postar um comentário