quarta-feira, setembro 23

Mulheres, e as frases que elas inspiram

O sinal para pedestres abriu. O velho pôs o pé direito lentamente na rua, como se testasse a temperatura da água numa banheira. Depois, tão devagar quanto o direito, moveu o pé esquerdo, como se estivesse descalço e ali houvesse cacos de vidro. Foi aí que a moça de uniforme branco resolveu ajudá-lo.

Manicure, ela estava atrasada, mas não podia deixar o homem atravessar sozinho a rua. O sinal para pedestres ficava aberto só meio minuto e, sem o auxílio dela, o homem ia ser um alvo perfeito para os carros dali a alguns segundos. Mesmo apoiado nela, ele parecia que ia desabar a cada passo. Quando chegaram ao outro lado, o peito dele chiava como uma cafeteira e a voz saiu como um suspiro quando ele disse obrigado.

“De nada. Bom dia para o senhor.”

Quando ela se virou para retomar seu caminho, ele, já com melhor fôlego, perguntou:

“Moça, sabe que você é bem gostosa?”

A resposta dela não o abalou. Com um sorriso instantaneamente rejuvenescido, ele contrapropôs:

“Eu vou. Eu vou. Não precisa mandar de novo. Mas só vou se você for comigo, minha delícia.”

***


Quando a passarela foi inaugurada, os pedestres descobriram que, além da segurança, tinham agora uma esplêndida vista da ampla e arborizada praça à qual, no tempo em que lutavam para escapar dos carros lá embaixo, não prestavam atenção. Nos primeiros dias depois da inauguração, era comum ver gente debruçada no parapeito, soltando interjeições de admiração, como se também a praça fosse obra recente. Num desses dias, um office-boy, olhando lá de cima, imaginava como seria bom passear de bicicleta ali, num domingo. Já economizava mentalmente para comprar a bicicleta, quando viu passar lá embaixo uma mulher de vestido curto que ele, se fosse mais íntimo dos adjetivos, definiria como magnífica. Logo esqueceu a bicicleta e se pôs a pensar em empreendimentos maiores. Encostado ao lado dele, estava um sessentão que comentou:

“Mas que maravilha, hem?”

“É. O senhor viu só que pernas?”

O homem cuspiu palavras e perdigotos num jato só:

“Pernas? Que pernas? Eu estou falando da praça, seu desavergonhado!”

***

Eu estava na Avenida do Cursino, no início de um quarteirão ocupado por dezenas de pequenas lojas de autopeças. A manhã estava feia e chuvosa, mas nem pensei em reclamar de nada, porque à minha frente ia uma mulher dessas que costumamos chamar de inesquecíveis. Quando ela passou diante de uma das lojinhas, a chuva engrossou e os dois homens que estavam na porta entraram apressados. Mas, antes, um disse:

“Melhor que o sol, é ou não é?”

Achei justo o elogio. Só uma mulher como aquela poderia despertar a poesia num homem simples.

“Ô! Bem melhor!”, respondeu o outro.

E o primeiro, para meu desapontamento, concluiu:

“Ninguém estava mais aguentando aquele calor.”

Raul Drewnick

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