Faz semanas que o louco não passa na avenida. Não à hora em que passava, no meio da madrugada, se valendo do silêncio do bairro para redobrar o alcance do seu grito. Não morreu de frio, isso é certo, porque, nas noites mais severas de inverno, ele ainda passava, sensivelmente mais louco, mais desesperado, nos amaldiçoando um por um. Então, uma noite, ele não veio. Outra noite e nenhum sinal dele. E daí para uma semana, duas semanas, três. Tem isso relação com as sirenes de polícia no lugar dos gritos? Ou tem a ver com uma pandemia desacreditada, o vírus correndo solto? Ou será que, num dos seus surtos circulantes, o louco topou com um desses neo-nazis de rua, caçadores de pretextos? O fato é que, depois de desaparecer, ele ressurgiu apenas uma vez, e à luz do dia, abafado pelo trânsito da avenida. Desde então se faz notar por sua falta. É sua falta que grita. Como se tivesse levado com ele, com seu berro animal, a urgência de uma revolta onde cabe tudo o que dói até o ponto do insuportável, uma revolta que não espera ocasião nem negociação: rebenta, revolta-se. Como se tivesse deixado conosco uma paz estranhíssima e imerecida, que fica ainda mais absurda quando cantam os passarinhos. Todos os sons da indignidade escamoteados, os sons da violência bem-sucedida escondidos. À falta do louco, nós do bairro temos essa quase alucinação coletiva de uma calma com passarinhos. Que ele volte, o nosso louco, o nosso bode-expiatório, para nos amaldiçoar como merecemos, e também para drenar os nossos gritos, e fazê-los circular pela cidade, como prévia dos jornais do dia, todo dia.
Mariana Ianelli
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