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Sobre desumanização
E os homens são homens e as mulheres são homens
E as crianças são homens!
Padraic Fiacc
Nós morremos muito. Morremos em manchetes efêmeras, entre suspiros. Nossa morte é tão cotidiana que os jornalistas a noticiam como se estivessem falando do tempo: Céu nublado, chuvas leves, e três mil palestinos mortos nos últimos dez dias. E assim como no caso do tempo, o único responsável é Deus, e não os colonos israelenses armados, não os ataques direcionados de drones.
Não prestamos atenção a cadáveres nos nossos campos. Sua existência é monótona, previsível. O morticínio é a tal ponto implacável que é quase esperado — antecipado — por aqueles que logo serão abatidos. Seus pulsos, grandes e diminutos, presos às costas por algemas em viaturas policiais. A morte está em toda parte. Até a metáfora é vítima da guerra.
O figurativo se tornou dolorosamente literal: barbas cobertas de sangue, móveis em árvores, um membro dependurado num ventilador de teto, mulheres dando à luz no concreto. Et cetera. Será que estamos acostumados demais com o horror? O que antes era horripilante, o que um dia foi presságio de um desastre, hoje faz parte da paisagem; a morte agora é um espantalho que já não assusta. Mesmo quando os corvos crocitam mais alto, seu ruído atinge apenas ouvidos desinteressados. Não restou nenhuma santidade à morte. Nenhuma divindade vem ao resgate. Morremos esquecidos. Morremos muito e em completo abandono.
Nossos massacres só são interrompidos por intervalos comerciais. Juízes os legalizam. Correspondentes nos matam com voz passiva. Se tivermos sorte, diplomatas dirão que nossa morte é causa de preocupação, porém, eles jamais mencionam os culpados, muito menos os condenam. Políticos, inertes, ineptos ou cúmplices, financiam nossa morte, depois fingem empatia, quando muito. Acadêmicos não se mexem. Quer dizer, isso até que a poeira baixe; depois eles escreverão livros sobre como tudo deveria ter sido. Cunharão termos e coisas do gênero. Lecionarão no pretérito. E os abutres, mesmo em meio a nós, farão passeios por museus, glorificando, romantizando aquilo que um dia condenaram, aquilo que não se dignaram a defender — a nossa resistência —, mistificando, despolitizando, comercializando. Os abutres farão esculturas de nossa carne.
Não prestamos atenção a cadáveres nos nossos campos. Sua existência é monótona, previsível. O morticínio é a tal ponto implacável que é quase esperado — antecipado — por aqueles que logo serão abatidos. Seus pulsos, grandes e diminutos, presos às costas por algemas em viaturas policiais. A morte está em toda parte. Até a metáfora é vítima da guerra.
O figurativo se tornou dolorosamente literal: barbas cobertas de sangue, móveis em árvores, um membro dependurado num ventilador de teto, mulheres dando à luz no concreto. Et cetera. Será que estamos acostumados demais com o horror? O que antes era horripilante, o que um dia foi presságio de um desastre, hoje faz parte da paisagem; a morte agora é um espantalho que já não assusta. Mesmo quando os corvos crocitam mais alto, seu ruído atinge apenas ouvidos desinteressados. Não restou nenhuma santidade à morte. Nenhuma divindade vem ao resgate. Morremos esquecidos. Morremos muito e em completo abandono.
Nossos massacres só são interrompidos por intervalos comerciais. Juízes os legalizam. Correspondentes nos matam com voz passiva. Se tivermos sorte, diplomatas dirão que nossa morte é causa de preocupação, porém, eles jamais mencionam os culpados, muito menos os condenam. Políticos, inertes, ineptos ou cúmplices, financiam nossa morte, depois fingem empatia, quando muito. Acadêmicos não se mexem. Quer dizer, isso até que a poeira baixe; depois eles escreverão livros sobre como tudo deveria ter sido. Cunharão termos e coisas do gênero. Lecionarão no pretérito. E os abutres, mesmo em meio a nós, farão passeios por museus, glorificando, romantizando aquilo que um dia condenaram, aquilo que não se dignaram a defender — a nossa resistência —, mistificando, despolitizando, comercializando. Os abutres farão esculturas de nossa carne.
Mohammed El-Kurd, "Vítimas perfeitas e a política do apelo"

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