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Era quase meia-noite quando, ao passar pela terceira vez diante do portão, eu a vi abri-lo para mim. Com o coração aos pinotes, hesitei. “Vem, vem logo”, ela disse. Tomado pelo medo, retardei os passos e ela quase me empurrou até a porta da sala. Fez-me entrar: “Não precisa se apavorar. Ele acabou de ligar. Não vem hoje.” Eu comentei tolamente: “Que sorte.” Ela achou graça: “Sorte mesmo. Hoje eu me acabo.” Abraçou-me e começou a me levar na direção do sofá. Senti que teria alguns segundos só antes que ela se atirasse aos beijos sobre mim. Já deitado debaixo dela, perguntei: “Leu o meu soneto?”
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Como mudou a poesia. Era aclamada, incensada, aplaudida. Hoje tem sorte se passar despercebida.
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Receia que, quando estiver já voando, veja surgir em seu caminho, lá embaixo, um toldo acolhedor ou seja tentado a dar um grito de shazam.
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O intérprete de sonhos me encheu os ombros de tapinhas e recomendou que eu jogasse na loteria, quando lhe contei o pesadelo em que eu me vi num velório.
Raul Drewnick
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