terça-feira, dezembro 31

Acelerar em direção à terra

Eu dizia com frequência a Rosamund que um dos problemas do envelhecimento era a aceleração do tempo. Os dias passavam por nós como "as estações do metrô passavam pelo comboio expresso". Costumava mencionar ‘A Morte de Ivan llich’ para ilustrar isto a Rosamund. Os dias da infância são muito compridos, mas na velhice eles voam "mais rápido do que um mergulhão", como diz Job. E Ivan llich também menciona a súbita ascensão de uma pedra lançada ao ar. "Quando regressa à terra acelera à velocidade de nove metros por segundo." 

Somos controlados pelo magnetismo gravitacional e o universo inteiro está envolvido na sua aceleração quando desce. Se pudéssemos simplesmente trazer de volta os dias cheios que vivemos quando crianças. Mas, sugiro eu, tornámo-nos demasiado familiares com a informação da experiência. A nossa maneira de organizar a informação que cai sobre nós ao estilo ‘gestalt’ — isto é, em formas cada vez mais abstratas — acelera as experiências até um perigoso corrupio, como numa comédia com imagens demasiado rápidas. A nossa necessidade de excreção rápida elimina os pormenores que enfeitiçam, prendem ou retardam as crianças. A arte é um refúgio desta aceleração caótica. O metro na poesia, o tempo na música, a forma e a cor na pintura. Mas nós sentimos que estamos a acelerar em direção à terra, quase a chocar com as nossas sepulturas.
Saul Bellow, "Ravelstein"

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