quinta-feira, dezembro 12

Livros para o Natal

Há um quê de mil e uma noites em “Damas da lua” (Editora Moinhos), de Jokha Alharthi, que nasceu em Al-Mudhaibi, no Omã, e vive em Muscat. Não é todo dia que temos a oportunidade de ler um livro do Omã, ainda por cima vencedor do Man Booker Prizer (em 2019). Através da história de três irmãs e dos seus casamentos, Alharthi nos apresenta uma constelação fascinante de personagens — algumas mergulhadas na noite dos tempos e das fábulas, outras com um pé no futuro — dividindo espaços surpreendentemente próximos no tempo; basta lembrar que a escravidão só foi oficialmente abolida no Omã em 1970. A tradução, do árabe, é de Safa Jubran.


“O colibri” (Autêntica), de Sandro Veronesi, também ganhou um prêmio importante (o Strega, italiano) e, assim como “Damas da lua”, não segue uma narrativa linear; os dois se desenvolvem em contextos culturais muito diferentes, mas se parecem no vaivém das gerações, no livre trânsito das memórias e no extraordinário domínio do tempo. O protagonista de Veronesi, Marco Carrera, médico em Florença, consegue permanecer firme em meio ao caos, como um colibri que voa furiosamente para não sair do lugar. O livro é denso, terno, trágico, divertido — e muito, muito inteligente. Tradução de Karina Jannini.

Não costumo recomendar livros para crianças, mas por acaso li “Anna Hibiscus”, de Atinuke, e gostei tanto que não quero deixar passar. Anna Hibiscus mora na África mas, ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, não está cercada de zebras e elefantes. Ela vive em Lagos, uma das maiores cidades do mundo, e leva uma vida parecida com a de crianças de qualquer outro lugar. Parecida... mas diferente. Linda edição da Carambaia, lindas ilustrações de Lauren Tobia, linda tradução de Carolina Candido. Para crianças que já leem direitinho, ou que conseguem acompanhar com atenção histórias maiores sendo lidas para elas.

Já “A vingança das bibliotecas” (Todavia), de Tom Gauld, pode à primeira vista parecer um livro para crianças — afinal, é uma coletânea de tirinhas de humor —, mas tem um público muito específico, o povo do livro. Gente que escreve, gente que lê, gente que edita, gente que compra mais livros do que consegue ler e, ainda assim, nunca acha que tem livros suficientes. Ou seja, um livro para abrir e se sentir imediatamente em casa. Esse, aliás, também é um livro premiado: ganhou o Eisner de Melhor Publicação de Humor em 2023. Tradução de Érico Assis.

Poesia de fazer pensar, de iluminar o mundo, de tirar o fôlego. “Ninguém quis ver” (Companhia das Letras), de Bruna Mitrano, é assim — ela traz a periferia, a incerteza, a invisibilidade, e esfrega na cara de quem não conhece, de quem desvia o olhar. Dito desse jeito parece duro e agressivo, e é mesmo; mas é também inesquecível e eletrizante, porque não é atitude, é biografia.

Tenho inveja de quem nunca leu Dalton Trevisan e ainda vai descobri-lo: os contos como facas, a precisão, a intensidade do que não é dito, o abismo das vidas miúdas. O maior contista do nosso país cheio de bons contistas acaba de sair de cena, mas sua obra permanece viva e surpreendente. Sua última “Antologia pessoal”, publicada no ano passado, traz 94 contos escolhidos por ele mesmo, numa edição caprichadíssima da Record, com excelente prefácio de Augusto Massi.

Cora Rónai

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