domingo, maio 29

Assim começa o livro...

Quem vive no sopé da montanha do Norte não pode chorar, nem mesmo hoje em dia. Adultos grisalhos aproveitam a oportunidade para ensinar as gerações futuras; apontando para a montanha do Norte, eles relembram a tragédia ocorrida muito tempo atrás.

“Menino”, dizem, “os antepassados de outras pessoas

vivem debaixo da terra, mas os espíritos dos nossos antepassados vagueiam pelas encostas da montanha do Norte. Por que acha que aquelas borboletas brancas vivem sobrevoando a montanha? E os besouros que correm para lá e para cá pelas trilhas que a atravessam? Esses animais são os espíritos dos nossos antepassados que sofreram; é esse o motivo. Estão tentando encontrar seus túmulos na montanha do Norte. Os antepassados das outras pessoas morreram de fome e doença, ou de idade avançada, ou na guerra. Mas os nossos antepassados morreram de injustiça. Adivinhe, menino, quero que você adivinhe. Por que eles morreram? Ah, pode tentar o quanto quiser, nunca vai encontrar a resposta certa. A causa da morte deles foram seus olhos; eles se afogaram nas próprias lágrimas.”

A vegetação selvagem da montanha era ideal para comer, e sua água de nascente, perfeita para beber — com exceção daquela da piscina que se formava quando a água descia pela encosta da montanha e enchia o túmulo vazio do chefe Xintao —, isso segundo as feiticeiras da aldeia dos Gravetos, que eram a fonte de todo o conhecimento local. Ninguém conseguia mais se lembrar da aparência do chefe

Xintao quando ele vivia como eremita na montanha do Norte, mas ninguém se atrevia a beber daquela água, pois seria o mesmo que beber de uma piscina de lágrimas, as lágrimas acumuladas de trezentos velhos espíritos cobertas por uma camada de água doce de chuva.

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