Guridi |
Não pertencem à categoria dos clássicos imprescindíveis, dos consagrados pelo público ou daqueles recomendados por seletos críticos. Pelo menos não são livros que marcam nossas vidas por motivos desses que geram dicas de leitura. Podem até ser grandes livros, mas, como parte das nossas minibibliotecas íntimas, o significado dessa grandeza é outro que só nós conhecemos.
É um céu se abrindo com a primeira história que seu pai leu para você, numa noite de infância, sobre um amor improvável entre um gato e uma andorinha. É o vapor do mate quente se mesclando ao cheiro de páginas antigas como lembranças de lembranças de Clarissa, a menina que viveu em muitos romances de Erico Verissimo. São pesadelos com castelos em ruínas despertados pelos banhos de sangue de uma condessa assassina, prima do rei da Transilvânia, gritos de meninas torturadas no alto dos Pequenos Cárpatos, que continuam reboando meses depois de terminado o livro.
São sensações, emanações, ecos de mortes e vidas se expandindo concêntricos em torno da leitura, como a redescoberta daquele romance de Inês Pedrosa, quando a avó lhe devolveu o título do livro num sussurro meio melancólico, meio galhofeiro, imitando o acento português, um pouco falando da solidão que ela sentia, um pouco prevendo a solidão da neta sem avó no futuro: “Fazes-me falta”.
Como dizia o poeta, são também os “títulos aliciantes” que não se deixam esquecer, mesmo que pouco de suas páginas tenha ficado na memória, títulos como chaves enigmáticas, proverbiais, proféticas, que soltamos no vento em sons de notas dedilhadas ao léu, “O tempo envelhece depressa”, “A casa da morte certa”, “Olhai os lírios do campo”, “Longe, e há muito tempo”. São livros, afinal, desses que ficam guardados num lugar à parte, isentos de juízo, libertos das leis canônicas e dos escrutínios, livros que, reabertos, evolam, como de uma garrafa mágica, a essência de algum tempo muito nosso, algum sonho, algum medo, algum amor que supomos pessoal e intransferível.
Mariana Ianelli
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