quinta-feira, maio 26

O ato proibido de ler

Meus colegas de escola e de geração nunca foram a livraria. Alguns, com certeza, não têm a ideia exata do que seja, além de um lugar onde se vende livros. Para ir na Livraria da Travessa no Centro do Rio, tenho que viajar cento e vinte quilômetros, sessenta para ir, sessenta para voltar. Geralmente já chego nela meio ou muito exausto. Tendo que esperar longo tempo até ter algum ânimo para olhar. Quando existe vaga, eu sento e descanso um pouco numa de suas poltroninhas. Gosto de ver as pessoas comprando, escolhendo, vendo. Às vezes aparece mulher chique. Os vendedores não nos importunam, deixando-nos livres. Odeio quando tem um me pressionando a comprar, saio logo da loja.


Olho os livros e os fico bebendo. Cada volume traz e é um mundo. Todos juntos, nas prateleiras e bancas, formam para mim um universo de descobertas, de chamamento. Pareço estar num garimpo. Vejo tudo, as capas, desenhos, os tipos das letras e os tamanhos. Belas paisagens me fazem mergulhar em lugares ou épocas distantes. Minha forma de viajar, suplantando falta de condições. Quando posso compro um exemplar e saio feliz. Somos uma nação de não-leitores. O preço de um livro de custo médio fica em torno de dez por cento do salário-mínimo. Maneira de proibir leitura sem precisar dizer. Trabalhador deve entrar na livraria como trabalhador, e nunca como leitor, muito menos comprador. Às vezes num passe de mágica, descubro um excelente livro, bastando ter lido poucas linhas, a esmo, em qualquer de suas páginas. Do meu meio social sei que estou sozinho. Quase todas as cidades brasileiras não têm livraria. Gerações nascem, vivem e morrem, sem terem visto uma única capa.
 Abel Matos

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