sábado, maio 28

Noites da vampira

Às vezes ela se transformava em vampira. Ele precisava então concentrar-se para não lhe perguntar por que ela não era sempre como nessas noites, por que não o marcava sempre assim, por quê.

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Toda vez que penso num passarinho, penso em Mario Quintana. E vice-versa.

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Diante de um poema que lhe sai extraordinariamente melhor que de costume, o poeta deve perguntar-se com humildade se o escreveu ou se o transcreveu.

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À noite, na estante, ouvem-se cochichos nas páginas de Dom Casmurro: são as entrelinhas contando às linhas segredos de Capitu e Escobar.

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O amor pode ensinar ao homem que em certas coisas ele se subestima. Pode, por exemplo, dizer-lhe que é muito mais tolo do que imagina.

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Teve aquele velhinho que passava de vez em quando, apontava para o céu e dizia: vai chover. E não chovia. Um dia ele apontou para o coração e disse: vou morrer. Não se sabe se acertou, porque nunca mais apareceu por ali.

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Uns braços bastaram para Machado de Assis escrever um dos contos mais eróticos da literatura mundial. Uma aula para quem tem no repertório sexual só seios pontiagudos e nádegas prodigiosas. O Velho Bruxo sabia de tudo e de algumas coisas mais. O que ele não faria, se tivesse ouvido a voz de Priscylla Mariuszka Moskevitch?

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Se numa página de Dalton Trevisan um casal se desfruta em pé num escritório de despachante, não será perversão. Será talvez, de parte dela, a urgência do amor. Por parte dele, será provavelmente a preocupação de não estragar o único sofá, comprado em dez sofridíssimas prestações.

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Quando você aplica a primeira metáfora a uma mulher – ave, princesa, flor -, e usa o primeiro diminutivo – lindinha, benzinho, gatinha -, está abrindo o caminho para a sua servidão.

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Quando descobrimos que não sabemos viver, não há mais como reiniciar o aprendizado.

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A senectude é a época em que todos os elogios que recebemos são eufemismos.

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Meu rosto é um pergaminho. O tempo só melhora o vinho.

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O amor é aquela insensatez que você sempre pensa estar cometendo pela última vez.

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No fim, sobrou-me a poesia. Pode parecer pouco. É mais do que mereço.

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Um homem de princípios raramente atinge seus fins.

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Nada como um jardim. Quem planta, seus males espanta.

Raul Drewnick

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