Numa igreja dos Altos Pirenéus está inscrita: "Todas as horas nos ferem; a última mata-nos."O que foi não voltará a ser. Mas temos de estar sempre preparados para a felicidade, acaso para a descobrir ou inventar. As imagens ditosas desses dias antigos estão delidas. Fomos envelhecendo quase sem dar por isso e aquele ali já não sou eu, nem ela é ela: somos outros com a absurda ilusão de que somos os mesmos.
Passamos pelo tempo. O tempo não magoa: pune; não damos por ele, mas ele dá por nós. Numa igreja dos Altos Pirenéus está inscrita esta sentença, em forma de velado aviso: "Todas as horas nos ferem; a última mata-nos." Vivemos rodeados de perigos; porém, o prestígio da palavra revolução exultava-nos e convidava-nos a ir em frente. As revoluções são produto de jovens: são os beijos que nos eram proibidos, os beijos frescos e felizes que prendiam o tempo, e parecia que os não queríamos largar. Vivemos de memórias inesquecíveis e estas constroem a saudade, é o que é. E as memórias são inesquecíveis porque as selecionamos, e somos sempre novos antes que a realidade nos surpreenda com a desconfiança e o sofrimento.
Claro que os velhos, com a consciência de o ser, propendem para a melancolia, pois talvez entendam que já não são precisos. Os velhos. Preenchem o que lhes sobra com a ideia de que alguma vez foram felizes. Isso basta aos velhos. Não sabem quanto das suas lembranças enfada os novos; não sabem ou não querem saber, o que vem a dar no mesmo.
Todavia, viveram, arrebatados, os vertiginosos dias de Abril, porque eram muito novos, e a esperança era o sonho cuja substância se tornara palpável. Não queriam "mandar aqui": os desejos eram mais modestos: apenas desejavam que a felicidade se prolongasse. Ainda não tinham sido castigados com a evidência de que até o amor morre. As revoluções, não: transformam-se, mas a raiz inicial é sempre a mesma, singela e única: o homem precisa de liberdade e de ser feliz.
Baptista-Bastos, Correio da Manhã de 27.04.2016
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