quinta-feira, setembro 3

Assim começa o livro...

Quando esta história começa, em 1819, na cidade de Angoulême, no sudoeste da França, só havia prensas de madeira nas pequenas gráficas, ou tipografias, do interior. Os impressores ainda passavam a tinta em almofadas de couro, nas quais batiam os tipos das letras com o texto para imprimir. As impressoras me cânicas tornaram desnecessário esse trabalho, ao qual Nicolas Séchard se dedicava com tanto afinco.

Séchard era um funcionário conhecido na gíria tipográfica antiga como “Urso”, pois o vaivém dos
impressores entre o tinteiro e a prensa lembrava o de um urso na jaula. Por vingança, os “Ursos” apelidaram os tipógrafos de “Macacos”, devido ao exercício contínuo que faziam para tirar as diferentes letras, ou tipos, das cento e cinquenta e duas caixinhas em que se encontravam.

Em 1793, durante o período do Terror da Revolução Francesa, Séchard tinha cinquenta anos e estava
casado — por isso escapou da convocação, que levou quase todos os operários ao exército. O velho
impressor ficou só na tipografia: o dono acabava de morrer, deixando a viúva sem filhos. A firma parecia destinada a desaparecer: o Urso não podia se transformar em Macaco, pois não sabia ler nem escrever.

Sem conhecer suas habilidades, um representante do povo preocupado em divulgar rapidamente os
decretos do governo revolucionário nomeou o impressor como mestre tipógrafo e requisitou a tipografia.Depois de aceitar esse perigoso cargo, Séchard indenizou a viúva do patrão com as economias de sua mulher, pagando-lhe a metade do que valia a pequenagráfica. Aquilo não era nada. Era preciso imprimir sem erros nem atrasos os decretos republicanos.


Nessa conjuntura difícil, Séchard teve a sorte de encontrar um nobre de Marselha que não queria sair
do país nem perder as terras e a própria cabeça, e para isso precisava arranjar um trabalho qualquer. O conde de Maucombe vestiu o humilde avental de tipógrafo do interior e se pôs a compor, ler e corrigir os textos que decretavam a pena de morte para os cidadãos que escondessem nobres; o Urso imprimiu e mandou afixar os cartazes, e os dois ficaram sãos e salvos.

Passado o período do Terror, em 1795 Séchard teve que procurar outro tipógrafo: um bispo substi -
tuiu o conde até o dia em que a religião católica foi restaurada. O conde e o bispo viriam a se encontrar mais tarde na Câmara dos Pares, a assembleia legislativa da época.

A gráfica progredia. Ao deixar o emprego, o bispo indicou um dos quatro tipógrafos para substituí-
-lo como chefe da oficina. Séchard continuava analfabeto, mas a chama da ambição havia se acendido em sua mente. Quando vislumbrou a possibilidade de ficar rico, desenvolveu um raciocínio ávido e desconfiado.

Fazia os orçamentos com um golpe de olhos; com medo de se enganar, aumentava muito os preços,
cobrando somas altíssimas dos clientes. Se um fabricante estava em dificuldades, ele comprava o papel a um preço vil e o estocava. Dessa forma, comprou a casa onde a tipografia se alojava desde tempos imemoriais.

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