O destino me oferece a chance de uma nova vida, igual à cigarra. Ambas vamos nos aventurar pelo desconhecido, com a única certeza de que este é o nosso desejo mais autêntico. Lembro de uma propaganda antiga, em que uma garota listava todas as renúncias feitas ao longo do ano, para finalmente realizar a sonhada viagem. Mostrando a passagem, dizia “aqui estão todos os CDs que não comprei, todos os shows a que não assisti…”.
Junto com a velha casca, sei que estou abandonando capítulos importantes da minha história que, mais dia menos dia, cairão no esquecimento. Vou sentir saudades da família, dos amigos, dos vizinhos, da feira, dos comerciantes habituais. É o preço a pagar por uma nova identidade que começo a construir a partir de agora. Tarefa pacífica e gratificante, seja qual for o resultado.
Sinto muita gratidão por este privilégio. Quando revelo a partida para conhecidos, noto certa nostalgia em seu olhar, como se a memória resgatasse um velho sonho esquecido e não realizado. Outros, admiram minha coragem, numa idade em que a maioria se acomoda. E os que querem mostrar-se solidários, elencam justificativas, como “o tempo lá é melhor, não faz tanto calor”. Nenhum tenta me dissuadir, porque sabe que seria inútil.
Por algum tempo, sei que vão recordar o que fui dentro daquela casca descartada. O vento vai se encarregar de soprá-la para longe, até que se desmanche. Talvez nunca mais nos vejamos, talvez nos encontremos vez ou outra – nada ainda é certo. A única certeza é a partida, em busca da felicidade.
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