Segundo definição do dicionário Houaiss, livro é uma coleção de folhas de papel, impressas ou não, reunidas em cadernos cujos dorsos são unidos por meio de cola e costura, formando um volume que se recobre com capa resistente. Porém, para o Fisco brasileiro, ao atingir cem anos, o objeto deixa de ser livro e vira antiguidade, perdendo o benefício fiscal destinado às obras literárias. Baseado nisso, taxou a entrada no Brasil da coleção Le Grand Atlas, com 12 volumes, de autoria de Johannes Bleau, de 1667, comprada pelo Banco Itaú S.A. em 2005.
A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região entende de forma diferente. Para o colegiado, o material está protegido pela imunidade prevista na Constituição Federal. O TRF-3 criticou duramente a decisão do Fisco, dizendo que a Fazenda Nacional alçou-se "à condição de divindade para o fim de alterar a substância das coisas do mundo físico". Assim, determinou que a União restitua o Imposto de Importação indevidamente recolhido e à compensação do PIS/Cofins-importação.
“Cada um dos 12 volumes da coleção é um livro, e nem mesmo a pretendida onipotência do Fisco federal brasileiro consegue mudar isso por meio de um ato normativo. Antigo e usado, sim, mas sempre um livro. E como a Constituição não excepciona da imunidade o livro antigo, não tem o menor vestígio de cabimento que o apetite fiscal brasileiro possa tributar um livro só porque o mesmo tem idade superior a cem anos. O absurdo do entendimento fiscal é manifesto, não apenas porque é um acinte à Constituição, mas porque ousa mudar a natureza física dos objetos considerando uma idade aleatória: cem anos é o tempo de um livro "antigo — noventa e nove anos não é”, declarou o relator do processo, desembargador federal Johonsom Di Salvo.
De acordo com a decisão, a imunidade concedida pela Constituição Federal aos livros é objetiva e incondicionada, não havendo estabelecimento de limites ao seu alcance. Aponta que o poder público responsável pela aplicação dos tributos não pode criar restrições e limites para a imunidade, que se apresenta na Constituição como norma autoexecutável, e que não é legítimo a Fazenda Nacional reduzir o alcance da imunidade na importação de livro estabelecendo que uma obra com mais de cem anos deixa de ser livro para ser apenas “antiguidade”.
A questão chegou ao Judiciário em 2006, quando o banco ingressou com uma ação em face da União e Fazenda Nacional, solicitando a declaração de inexistência de relação jurídica que o obrigasse ao pagamento do imposto de importação e do PIS/Cofins-importação sobre os livros importados, bem como o reconhecimento do direito de repetição dos valores pagos indevidamente a título de imposto de importação e de compensação dos valores indevidamente pagos como PIS/Cofins-importação.
Em 2008, a primeira instância julgou procedente o pedido e reconheceu a qualidade de livro da coleção, condenando a União a restituir ao autor a quantia indevidamente paga a título de imposto de importação, bem como de compensar o crédito apurado em decorrência do pagamento indevido do PIS/Cofins-importação.
Após essa decisão, a Fazenda Nacional interpôs apelação sustentando que a coleção importada pelo autor enquadra-se não no conceito de livro, mas no de antiguidade, devendo ser classificada na NCM 9706.00.00 — antiguidade com mais de cem anos e, por conseguinte, sofrer a tributação decorrente da importação. Afirma que o próprio preço pago pela coleção já revela o seu caráter de obra de arte.
(Fonte: Blog do Galeno)
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