domingo, junho 5

A senhora da sexta-feira

Chamava-se Mafalda e era morena, leve e frágil, destas mulheres extremamente portáteis, que sugerem vontade de acomodar debaixo do braço e subtrair às maldades do mundo.

Tão boazinha Mafalda, tecida em linhas de lirismo, amava poesia, cantava com um fio de voz muito gentil, dava-se ao violão sem grandes méritos, mas com muita graça. Tinha fraco pelo romance policial, devorava-os com avidez nunca satisfeita e já estava tão familiarizada com os truques dos autores que, antes de chegar ao fim do livro, fazia esquemas de solução por conta própria e geralmente acertava. Ao ponto de o marido dizer frequentemente, por pilhéria, que tinha medo de que ela utilizasse o aprendizado em tantos anos de convivência com os policiais e o matasse, um dia, fazendo seu crime perfeito.

Pois foi por via do gosto pela leitura de policiais que conheceu Alfredo Ribeiro Vila Real, doutor médico, solteirão bem posto, que numa tarde de sexta-feira, num balcão de livraria, fazia a sua provisão para o fim de semana. E até mesmo permutaram impressões de livros que conheciam, discordaram em alguns pontos, mas, de maneira geral, as preferências coincidiram.
Milton Dias(919-1983)

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