Após terminar certas leituras, é comum pensar: “este livro daria um bom filme”. Como leitor, já cansou de acontecer comigo. Como escritor, ouvi muitas vezes que meus livros deveriam ser adaptados para o cinema. Entendo perfeitamente o anseio dos leitores de ver nas telonas a representação do que imaginaram nas páginas, com uma produção caprichada, bons atores, maquiagem, trilha sonora e efeitos especiais. Normalmente, livros que “merecem” virar filmes são aqueles com tramas de forte apelo visual, ágeis sequências de ação e arcos dramáticos bem desenhados.
Além de tudo, em termos de negócios, a combinação é perfeita: atende aos fãs, e a obra literária acaba ganhando maior projeção (basta ver os casos de “Game of thrones” e “Harry Potter”, para ficar com exemplos de peso). Já é velha — e boba — a discussão sobre quem é melhor, o filme ou o livro. Não pretendo falar disso aqui.
Para mim, interessa pensar, sim, nas experiências distintas oferecidas pela literatura e pelo cinema. Acompanhem meu raciocínio: o filme convida o espectador a entrar em uma história por 90 minutos ou pouco mais do que isso — vale dizer, a duração é imposta ao espectador. Em outra via, a imersão na leitura é mais lenta e detalhada — dura dias, ou ao menos horas se for um livro pequeno. Nesse caso, o controle do “tempo” está nas mãos do leitor, variando conforme seu interesse na obra e o ritmo de leitura.
Enquanto o cinema tem o som, a imagem e o movimento a seu favor — aí incluídos os efeitos especiais impressionantes, os atores e atrizes atraentes e a música marcando bem os momentos de tensão, amor, aventura, etc. —, a literatura conta apenas com uma única ferramenta: a linguagem. Quer fazer o leitor sentir medo? Que seja pela linguagem. Quer fazer o leitor se apaixonar por um casal de personagens? Que seja pela linguagem.
Com isso, a literatura pressupõe uma maior cumplicidade entre escritor e leitor: o escritor dá algumas pinceladas do cenário, das personalidades e das situações para que o leitor entre com sua boa dose de imaginação para dar vida ao texto. Nesse sentido, me parece que a literatura tem potencial para oferecer maior aprofundamento dos personagens — é possível explorar cuidadosamente sua psicologia, entender suas sensações e dilemas e, assim, acompanhar suas decisões.
Daí que, e agora chegamos ao que quero propor aqui, ainda que eu já tenha lido alguns livros que desejei ver adaptados ao cinema, para mim ocorre com maior frequência o anseio inverso: assisto a certos filmes e penso que dariam bons livros. Estou ficando louco?
Mantenho comigo uma longa lista de filmes que se tornariam bons livros. Imagine, por exemplo, uma narrativa da visão de Mr. Blonde enquanto tortura o policial amarrado em “Cães de aluguel”. Demais, não? “Cães de aluguel” seria daqueles livros com diversas vozes narrativas, a tensão mantida nos diálogos, a visão (e a desconfiança) de cada um dos assaltantes de banco após o fracasso da empreitada.
Sempre penso que os filmes do Tarantino seriam ótimos livros. E os do Woody Allen também — daqueles bem verborrágicos, cheios de diálogos potentes. Já os do Lars Von Trier e do Haneke, nem tanto. Para sairmos da violência, que tal pensarmos em “Pequena Miss Sunshine”? Um roadbook dramático, explorando a relação do avô com a neta ou ainda as frustrações do pai de família em busca do sucesso. Partindo para a televisão, pense só num romance policial da novela “A favorita” ou de “A próxima vítima”. Seria para virar a noite lendo...
Confesso: sou daqueles que fica atento aos créditos finais só para ver se o filme (ou série) foi baseado em algum livro. No Brasil, a ideia já não é coisa de outro mundo. Em 2010, Marcelo Laffitte dirigiu “Elvis e Madona”, a bonita história de um casal formado por uma lésbica e um travesti, interpretados por Simone Spoladore e Igor Cotrim. Laffitte convidou o autor Luiz Biajoni a fazer o livro baseado no filme, e o romance foi publicado pela ed. Língua Geral no mesmo ano. Meu primeiro contato foi com o filme. Ao ler o livro, me surpreendi com o trabalho de Biajoni. O romance não é mera dramatização do roteiro, o que seria ruim. Nas páginas, os protagonistas ganham complexa dimensão e têm seus passados explorados. Copacabana se torna um efetivo personagem, com suas cores e vibrações. Enquanto o filme é uma comédia dramática deliciosa, o livro tem um pé na trama policial e na ironia escatológica. O resultado não poderia ser melhor: filme e livro não se confrontam, mas se completam.
Outro exemplo, mais recente, é a obra de terror “Condado macabro”. Tanto o roteiro do filme, agora disponível em DVD, como o livro, publicado pela editora Simonsen, foram escritos ao mesmo tempo pelo autor Marcos de Brito. Ainda não tive oportunidade de assistir ao filme, mas o livro tem me arrancado algumas horas de sono.
Timidamente, além da lista de filmes que dariam bons livros, guardo outra lista — esta menor — de filmes que eu mesmo gostaria de transpor para a literatura. Quem sabe um dia não vivo essa experiência? Deve ser interessante e desafiadora. Por enquanto, fica apenas o registro da ideia: filmes que dariam bons livros. Quais são os seus?
Raphael Montes
Nenhum comentário:
Postar um comentário