sexta-feira, junho 3

Livros demais, livros de menos

A produção de novos títulos tem aumentado exponencialmente desde que a edição digital se popularizou, especialmente nos Estados Unidos. Uma empresa como a lulu.com, especializada em self publishing, anuncia que tem mais de 1.100.000 “criadores”, dentro de um grande número de categorias, que incluem de livros de fotografias a romances, tanto em formato eletrônico como impressos sob demanda. E a lulu.com é apenas uma entre várias empresas desse segmento.

A Agência do ISBN nos Estados Unidos já chegou a outorgar mais de dois milhões de números em um único ano (2010), números que incluem todos os tipos de publicação, incluindo as digitais e as autopublicadas.

O fenômeno não se restringe aos Estados Unidos. No Brasil já ultrapassamos a marca das 50 mil edições e reedições anuais (considerando apenas as editoras comerciais), segundo a pesquisa de Produção e Vendas do Mercado Editorial, da FIPE/CBL, que não inclui os livros autopublicados.
E o fenômeno se repete em todos os países.

Há alguns anos tive a oportunidade de conhecer um livro muito interessante, escrito por um filósofo mexicano, Gabriel Zaid. Chama-se “Livros Demais”, que eu traduzi e a Editora Summus publicou aqui em 2004.


Nesse livro delicioso, Zaid trata justamente dessa proliferação de títulos. Lembra ele que, se alguém se dispusesse a simplesmente ler o nome dos títulos publicados em apenas um ano no mundo inteiro, gastaria mais que uma vida para fazer isso. E o ritmo não diminui.

Quem entra em alguma das grandes livrarias, as megastores que já existem em várias capitais (Saraiva, Cultura, Fnac, Livrarias Curitibas, Leitura e outras cadeias), chega a se sentir intimidado com a quantidade de livros. Na minha casa comentamos que livros não produzem filhotes, e sim ninhadas. A multiplicação é estonteante, e sempre acabamos comprando livros que certamente jamais conseguiremos ler.

Gabriel Zaid desenvolve alguns raciocínios interessantes em seu livro. Um deles é quando postula que cada título possui um número determinado (embora não reconhecível) de leitores, segundo sua “amplitude de interesse”. Por exemplo, um livro sobre aranhas transgênicas poderá ser de muito interesse para, digamos, quinhentas pessoas. Não mais que isso. Um título popular, por sua vez, pode ser desejado e legível para milhões de pessoas.

O grande problema, diz Zaid, é fazer que esse público saiba da existência e reconheça o que lhe interesse, encontre-o e o leia. Esse “encontro feliz” entre o livro e seu leitor é o que completa e dá sentido à publicação de um livro.

Infelizmente é muito difícil que esses encontros aconteçam em sua plenitude. Sempre haverá quem esteja profundamente interessado em aranhas transgênicas e não consiga ser apresentado ao livro, deixando assim um buraco notável em sua vida de leitor.

Outro problema, diz Zaid, é que esse número de leitores, apesar de determinado, não é previamente conhecido. Pior ainda: os autores tendem a superestimar o número possível de seus leitores. Assim, no caso do nosso hipotético livro sobre aracnídeos geneticamente modificados, seu autor pode até ter a ilusão de que, em vez de trezentos leitores, seu livro seja “desejado” por cinco ou dez mil outras pessoas, e fica profundamente frustrado quando percebe que só vendeu uma parcela ínfima dessa quantidade. Afinal, o autor do livro sobre aranhas pode também sonhar em ser um mega vendedor de livros, um Paulo Coelho da entomologia.

Por outro lado, diante da imensa diversidade de experiências humanas, é possível imaginar que sempre haja alguém interessado na leitura de algum título. Não apenas aranhas transgênicas merecem ter seu livro. Parafraseando Terêncio, que disse que “nada do que é humano me é estranho”, poderíamos dizer que “nada do que é humano pode deixar de ter um livro”. Desde que, é claro, ache outro ser humano que se interesse.

Se conseguíssemos encontrar uma maneira eficiente de fazer essa ponte entre cada título e os seus leitores predestinados, e diante da constatação da proliferação de títulos, poderíamos afirmar que, afinal de contas, há ainda livros de menos.

Felipe Lindoso

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