A rosa do conhecimento
Rosely Boschini*
É insólito o resultado prévio do estudo Brasil Ponto a Ponto, que acaba de ser divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). A educação, com 20% das indicações do expressivo universo de 360 mil entrevistados, aparece como o tema que mais afeta a vida nacional, à frente da criminalidade e do desemprego, tradicionais líderes do ranking das pesquisas sobre as preocupações do brasileiro. Dentre os que se manifestaram pela questão do ensino, a qualidade do aprendizado é o principal desafio a ser vencido, representando 25% das respostas.
Numa feliz coincidência, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) sugere que, este ano, o Dia Mundial do Livro e dos Direitos do Autor — 23 de abril — enfatize o vínculo entre a leitura e o ensino, destacando sua importância para o aprendizado de qualidade e sua relação com os direitos humanos. O mote resgata, com muita força, o conceito que marcou a instituição da data pela entidade, em 1995: o reconhecimento de que o livro é historicamente o instrumento mais eficaz na difusão do conhecimento e que todas as iniciativas para promovê-lo são fatores de enriquecimento cultural.
Essa inquestionável constatação da Unesco evidencia a imensa responsabilidade da cadeia produtiva do livro, cuja atividade transcende em muito ao universo dos negócios. Não basta produzir e vender livros com foco na demanda do mercado privado. É preciso, em especial em países que ainda não alcançaram o desenvolvimento, viabilizar a multiplicação do acesso à leitura, de modo que seja um direito inerente à cidadania e uma ferramenta de aperfeiçoamento do ensino e melhoria do aprendizado e não mero privilégio ligado ao poder aquisitivo.
Assim, foi muito importante a mobilização conjunta das entidades representativas do setor — CBL, Snel, Abrelivros e Abeu, além do Observatório da Leitura —, no sentido de que o Governo Federal restituísse em 2009 a verba de R$ 150 milhões, extinta no ano passado em deliberação do Congresso, para que a Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) compre livros. Felizmente, o governo mostrou-se sensível a documento apresentado pelas entidades, elaborado pelo Observatório da Leitura, no qual estavam enumeradas as graves consequências da suspensão da verba.
Os recursos evitarão que 37 milhões de estudantes da rede pública de ensino fiquem sem dicionários neste ano letivo em que entra em vigor a Reforma Ortográfica. Também terão continuidade os programas de Aquisição de Livros para Portadores de Deficiência e o Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE), que distribui anualmente milhões de obras de literatura nas escolas públicas de todo o País. Isso, é importante frisar, sem prejuízo ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
As entidades de classe não devem manter a antiga postura de representatividade passiva de um setor de atividade. É premente que trabalhem de maneira proativa para estimular, defender, ter voz política e contribuir para o fortalecimento do segmento em que atuam seus associados. No caso do livro, este fiador do desenvolvimento e da justiça social, é decisiva a sinergia do mercado em torno de seus organismos representativos, de modo que todas as medidas e estratégias voltadas à disseminação da leitura tenham ainda mais força e possam ampliar o acesso dos brasileiros à informação e à cultura.
No caso específico do restabelecimento da verba de R$ 150 milhões da FNDE, a mobilização das entidades de classe do setor editorial respondeu aos anseios dos brasileiros revelados na pesquisa do Pnud e ao mote de 2009 do Dia Mundial do Livro e dos Direitos do Autor. Portanto, há este ano, no País, um caráter ímpar nessa comemoração, que enaltece a imortalidade de Cervantes e Shakespeare, falecidos em 23 de abril de 1616, e celebra o nascimento de autores como Maurice Druon, K. Laxness, Vladimir Nabokov, Josep Pla e Manuel Mejía Vallejo. Em paralelo à vida e obra desses antológicos escritores, outra ideia inspiradora da Unesco para instituir a efeméride advém da tradição catalã, na Espanha, de, também nesse dia, dar uma rosa a quem compra um livro. É a rosa do conhecimento, que precisa ser cada vez mais cultivada no Brasil!
*Rosely Boschini, da Editora Gente, é presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL)
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