“Vinham os novos livros escolares. A livraria não os tinha todos de uma vez. Primeiro, as Ciências, curiosas de raízes, crustáceos e rochas. Depois, a Álgebra, enfadonha de sinais e cálculos. A História Universal: o gordo e vil Henrique VIII, a austera Isabel a Católica, o quixotesco D. Sebastião o Desejado, verdade e lenda. 'Por fim, a selecta: Soares de Passos, António Nobre, «o Bispo Negro», «A Taça do Rei de Tule». Certos trechos ajustavam-se mesmo àquele tempo: «Chuva da Tarde», «O Menino de Sua Mãe»... «A Taça do Rei de Tule» com seus «baques de coração espezinhado» andava comigo nessa agonia do princípio das aulas, na angústia das folhas mortas pelas alamedas. Andava comigo. Levava-me ao liceu. Dormia na minha cama.
Os livros traziam as páginas húmidas e o cheiro da tinta fresca; as capas rangiam ao abrir; dava gosto acomodá-los na pasta ao lado dos cadernos também novos, inexplorados, protegidos de papel-ferro.
Ruas fora, alongava-se, deturpado, o pregão das castanhas a vapor. (...)”
Texto da portuguesa Maria Ondina Braga (1932-2003), em “Estátua de Sal”
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