quarta-feira, abril 2

O abrigo misterioso

Levava consigo para as árvores todos os livros que fugiam à conduta daquilo que então se podia esperar de uma futura mulher. Ainda era só menina, pensava. Nos verões era mais fácil esconder estes livros da família. Como não chovia, deixava-os pendurados como frutos sob os ramos e sonhava com uma árvore real que amadurecesse as histórias. Semeava palavras e delas crescia a natureza das cabeças. Que bom seria ter a liberdade de plantar pensamentos. Maria Teresa sonhava com essa possibilidade tão remota de liberdade. Liberdade das meias esticadas até ao joelho e das cuecas que lhe faziam comichão. Liberdade suja e sem horas. Mas rapidamente ouvia as vozes que a traziam de volta à prisão dos dias.

"Maria Teresa, vai tomar banho, que hoje vem cá jantar o senhor padre!" E, assim, deixava as histórias a pernoitar nas árvores para enfrentar aquela realidade menos aventureira e esperançosa.

Sara Duarte Brandão, "Quem Tem Medo dos Santos da Casa"

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